Quando não tivermos mais palavras, quando não tivermos mais como articular palavras, porque estaremos mortos por inanição, por debilidade mental e sentimental, aí não haverá mais volta.
Enquanto isso, quem nos desalimenta, quem nos nega, nos impede de discutir, quem nos quer incapazes, grita e berra e diz que arte é pornografia, pedofilia, zoofilia, vagabundagem, diz que é apologia sem haver uma palavra. Não questiona, esconde e se esconde junto por covardia, por incapacidade de compreensão e principalmente por indisposição ao diálogo. Diálogo, eu disse. Não uma fala descompensada e unilateral.
Quantos templos, quanta pintura, escultura, literatura se produziu até então no mundo? Quanto disso nos fez mais humanidade e menos maquinaria? Quanta discussão houve antes de se decidir que não poderia continuar uma exposição, uma peça de teatro, antes que se retirassem os quadros dos museus, que os censurassem com tarjas e panos? Pouca ou nada. E quanta ignorância? Quanta sanha? Quanto desespero? E por quê?
Tenho um desalento imenso e, na mesma medida, um fastio. Tenho medo da violência, do mau caratismo. Me entristece de um jeito que nunca senti antes saber que chegamos a esse ponto, mais uma vez, parece.
Queria ajudar e dizer que não se pode jamais comparar coisas incomparáveis, não se pode deixar a luta, a reflexão crítica e a opressão no mesmo lugar histórico. Queria ter mais força e coragem e continuar me dispondo sempre a estar aqui, presente, realmente no mundo para amainar as trevas. Acreditava mesmo que o diálogo ainda era o melhor caminho para isso, mas vejo que a disposição para conversas vai minguando. Todos os dias míngua.
É árduo falar do agora, falar da realidade, do que nos perturba, mas é bem mais difícil pensar sobre, e pensar coletivamente, porque vamos encontrando infinitos nós, que conflitam com nossas próprias crenças, nós que nos contradizem. É com esses nós que aprendemos mesmo alguma coisa na vida. Invejo quem tem certezas. E temo quem tem certezas e mordaças.
Mas, antes das trevas, antes da morte, antes que não sobre humanidade, é preciso continuar, de algum modo, tentando. Eu só tenho medo que seja rápido demais, mas antes disso, ou para que isso não aconteça, eu sei que temos que resistir (e a palavra mesmo gasta é esta mesmo). Resistir à estupidez magnífica que nos esmaga.