Na semana passada, faleceu a vó de um amigo. Ele me disse que era sua última vó viva. Postou no facebook uma foto dela e escreveu um texto bonito sobre um vestido e seu refazimento, sobre comidas e cheiros e sobre a vida.
Da minha vó, herdei um blusãozinho de lã. Hoje faz seis anos que ela se foi, minha última vó viva também. Durante este tempo, eu descobri um tipo de saudade que não tem remédio. Não um remédio físico, imediato. Descobri que a falta que ela faz é perene e inalterável.
Eu morei com a minha vó quando era pequena. Meus pais mudaram de cidade e me deixaram com ela e o vô pra terminar o ano letivo. Lembro das tardes assando pão em forma de bonecos. Lembro dos causos contados antes de dormir. Lembro também dos fartos cafés da tarde.
A vó gostava de café da tarde. Enquanto eu era criança e brincava na rua, ela gritava da frente de casa que era hora de voltar. Eu descia voando a lomba do hospital, porque era hora do café da tarde. Não era janta, não era lanche, nada disso. Lá em casa era café da tarde. Pão, queijo, chimia, manteiga, nata, café com leite, que eu odiava, mas não podia tomar café preto. Criança tem que tomar com leite, minha vó dizia. E a gente sentava ao redor da mesa pra comer. Vez ou outra vinha um amigo ou amiga. Depois disso, fazer os deveres, tomar banho e ir pra cama.
Lembro da vó impaciente, escalando no telhado pra tirar as folhas da calha, subindo e descendo o morro pra ir no supermercado. Lembro da vó fazendo tricô, crochê, sabão, um arroz empapado e coberto de salsinha, que eu amava, doce de gila que eu odiava, doce de moranga, chimia de uva. A vó adorava um doce. Mas era diabética. Dizia com a boca cheia das compotas que não estava comendo aquilo.
Aliás, lembro das coisas engraçadas que ela dizia como ter um plic plac, ao invés de piripaque ou que tinha “analfabetizado” todas as crianças da rua quando era moça em Vacaria. Ou ainda, quando voltou dos Estados Unidos, falando de um tal “répi-al” que substituiria o café da tarde. Era happy hour. Acho até que fazia de propósito pra gente rir, e ria junto. Ria bastante a vó, apesar de séria.
Sempre tinha um cheiro bom. De talco, de perfume, de hidratante que gostava de usar nas mãos, cheias de anéis. Estava sempre bem penteada e bem vestida. O blusãozinho que herdei é de lã colorida, modelo Chanel, com botões que imitam pérola.
Eu gosto de adotar a vó dos outros agora. Não conto pra ninguém, adoto secretamente. Vou acumulando memórias e pedacinhos de causos. É um jeito de lidar com a saudade.