Na semana passada eu cumpri um convite muito especial. Duas amigas, a Jaque e a Nil, agitadoras culturais da cidade, – acho que não podemos nos queixar da quantidade de agitadores culturais que esta cidade tem – me convidaram para ir à escola Santa Catarina falar com todo o ensino médio sobre gênero. Eu não sabia muito bem como abordar o assunto, mas a Jaque me disse: conta sobre a tua vivência.
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Chegando lá, entendi que aquela era uma iniciativa dos alunos. O grêmio estudantil criou o projeto. Uma série de conversas necessárias, atuais e urgentes, com pessoas da comunidade que estão conectadas ao tópico. Bem, eu não sei quantos alunos e alunas estavam lá, mas foi a maior plateia que já tive. Quinhentos talvez? Eu sou péssima com esse tipo de estimativa. Tremi um pouco ao subir ao palco do galpão lotado.
Olha, eu fui adolescente nos anos noventa, morei numa cidade pequena por muito tempo, fiz apenas meu terceiro ano aqui em Caxias e hoje penso que teria tão melhor, teria sido uma sorte e uma bênção se tivéssemos tido conversas assim esclarecedoras, se tivéssemos ganhado a chance de perguntar sobre coisas que, cedo ou tarde, enfrentaríamos na vida. Na verdade, não teria sido sorte, teria sido certo!
Então, eu fui falar de gênero, e de como isso faz parte da minha vida, sendo mulher e lésbica, em Caxias hoje. E não foi só isso, falei sobre ter um posicionamento social e político (porque assumir-se é um ato político, que difere bastante de um ato partidário, notem bem) e falei sobre como era mais que uma questão de visibilidade, é uma questão de existência. Existir na escola, no trabalho, nas nossas famílias, já escrevi sobre isso aqui. Conversamos também sobre como é ser escritora, porque achei importante dizer que as duas coisas se misturam para mim. Depois fizemos uma espécie de exercício de criatividade que mais tarde se tornaria um exercício de escrita. Bem, já disse que não sei quantas pessoas estiveram lá, mas foi muito bonito e gratificante vê-los, em maioria, se doando para o exercício. Um exercício simples que tinha a ver com alteridade, com observar o outro, observar alguém que amamos. Descrever este alguém que amamos. Contar uma história e também ouvir a história do outro. Alguns fecharam os olhos, outros, reparei que olhavam para fora dali. Enquanto os e as estudantes imaginavam a luz do sol, um movimento, o calor da pele do seu ou da sua personagem, eu observava todos e todas e sentia que ali estávamos criando algo, estávamos realmente nos dando oportunidade da escuta, da criação, do conhecimento.
Obrigada, pessoal, pelo convite. Desejo vida longa a este projeto bonito e necessário.