Esta crônica é sobre o calor. Sobre o calor do café na xícara, não o que sentimos na boca ao sorver a bebida, mas o vapor na testa. O calor dos pés contra a areia da praia na lembrança de janeiro, dos lençóis que caem no meio da noite e, desajeitados, dormem ao lado da cama, no chão. É sobre o vidro que embaça por causa da panela de pinhão, da chapa do fogão a lenha ou ainda de um banho quente no fim do dia. É sobre o calor estanque da roupa na caixa, antes da doação, ou de uma estufa velha esquecida no fundo de uma dispensa, bem atrás das prateleiras. E, ao esticarmos os braços para alcançar o que o verão nos fez esquecer, rasgamos a pelezinha entre as unhas e os dedos, que nos paralisa numa soltura dolorida onde falta o calor.
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Assim, esta crônica é também sobre afeto, sobre cuidados e sobre abrigo, sobre como curar feridas no frio é um longo processo. Isso é sobre a inconveniência de nos mantermos hidratados, quando não temos tempo de ficar sem roupa. É sobre abraços e sobre uma mordida apressada num tomate, ou qualquer um desses vegetais que conservam muito mais o calor, e dessa forma, acabamos com a boca queimada. Portanto, isso também é sobre excessos e sobre banhos tão quentes que fazem a pele avermelhar ou sobre não tomar banho ou ainda sobre a carência da vitamina D. Isso é sobre bolhas, bolos, bolas e balas e sobre quem não tem nada disso e precisa. Deste modo, esta crônica é sobre o calor que se extingue e junto, a vida. Sobre a obviedade do calor humano e a dificuldade em praticá-lo como exercício. É sobre entender que este calor físico e metafísico que manifestamos só existe porque estamos vivos. Senão somos corpo morto.
E como tudo tem seu contraste, essa coluna é sobre o frio. Sobre como por aqui, em maio, o calor já se esparsa e sobre como algumas pessoas caminham mais brutas e outras mais soltas. É, sobretudo, como encaramos a vida em tempos gelados. Isso aqui também pode ser sobre a frieza, sobre a inutilidade de uma escuta indisposta, sobre a ausência de um abraço, sobre a falta de uma bebida que esquente ou sobre o excesso, sobre a exaltação a um frio não humano. É sobre um post banal que brinca friamente com a dor alheia, ou ainda sobre uma capa de revista friamente desrespeitosa, um frio que passa por cima de flores e jardineiros.
Este frio, precisamos combater.