Sexta-feira eu acordei de greve. E fui pra praça, meio tarde, mas era greve mesmo. Fui tarde, porque demorei num café meio amargado, pensando no desemprego, no meu desemprego, no do meu tio, no desemprego de quatorze milhões. E fui com medo de não ter ninguém por lá, porque Caxias é uma surpresa mesmo. Porque li comentários esdrúxulos sobre o que seria esta greve e sobre quem estaria tramando por trás das massas. Porque as pessoas não sabem mais conversar e perfilam as ideias mais absurdas como se fossem argumentos razoáveis. Mas fui, mesmo com medo, porque, no mínimo, eu acho que esta conta não está certa e não pode ser paga pelo trabalhador.
Saí. Encontrei gente na rua, quase como um dia normal e perguntei a essa gente se estava a caminho do protesto ou voltando dele, se tinha aderido à greve. Da minha casa até a praça, poucos me responderam. A maioria deu risada. Alguns torceram o nariz e me perguntaram de volta de que serviria a greve. E eu fui andando pra praça, meio desesperançada, com a pergunta na cabeça.
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Chegando lá, dei um abraço num casal de professores amigos, e depois, cada vez mais rostos conhecidos com aqueles sorrisos de "não estamos sós". Foram falas importantes no microfone. Movimentos sociais presentes. Os estudantes secundaristas falando sobre a reforma e como tudo aquilo os afetava diretamente. Foi bom ouvi-los. A marcha das mulheres e os LGBT penduraram suas bandeiras nas escadarias da catedral, assinalando que estavam ali e que vinham antes da igreja. Uma Caxias mais presente. À tarde, na caminhada gritos por direitos e justiça social. No meio disso, uma senhora disse: "me irrita ver gente rica arrotando reclamação, dizendo que as coisas vão mal, quando o mal do outro é não ter nada." Fui pra casa satisfeita com aquela resposta. Não só a frase pega à deriva na passeata, mas tudo. A marcha toda.
Depois vi fotos da manifestação em outros Estados, vi que a igreja também estava ali, contra a perda dos direitos que as reformas propõem. E vi outras fotos também mais tristes e vídeos da truculência da PM, armada e raivosa, quebrando a cara de guris, no flagra da câmera. Talvez um aviso para nos lembrar de tudo o que quebram sem que ninguém veja. Mais tarde li sobre o atropelamento do senhor Luiz e confirmei mais uma amostra de ignorância nos comentários do site, relativizando o caso, aventando a possibilidade de que talvez este senhor merecesse o atropelamento, seguida de uma horda burra, pisoteando o que deveria estar antes de tudo: humanidade. E vi que quem comentava sensatamente, quem defendia a vida antes de tudo, era a mesma gente que encontrei na praça, na caminhada.
Talvez a greve tenha servido pra isso mesmo, pra pensar o que é humanidade e pra perceber que não estamos sozinhos neste momento triste, e também pra entender que esse ódio estúpido sorri de um jeito medonho para a morte.