O Brasil pegando fogo e eu casei. Não que uma coisa esteja diretamente ligada com a outra, óbvio que não, mas o exercício de criar uma bolha de celebração em meio a manchetes, revelações e pronunciamentos vampirescos foi árduo. Conseguimos, enfim. Não foi alienação, foi jogo de paciência e de consciência. Mas não quero falar do Brasil, nem de política, não quero falar de leis, muito menos de homens.
Quero contar que casei. Achei que pudesse ficar imune aos números, mas não. Quando eu era mais nova, considerava meio bobagem casar, agora, vejo certa revolução. Explico: Dani e eu casamos! Para que fique claro, somos duas mulheres adultas e escolhemos ficar juntas por amor.
Leia também
Marcos Kirst: há bárbaros na trincheira
Gilmar Marcílio: pompa e circunstância
Natalia Borges Polesso: temperatura
Teve festa, bolo, música e gente pra caramba nos dizendo coisas bonitas sobre o amor, sobre a vida e sobre a importância de oficializar uma união para representar e ressignificar instituições. Na verdade, teve tanta gente que nos pareceu muito clara a necessidade da escolha. Porque isso é quase como educar para o amor, para o olhar empático, é ensinar, mostrar que somos duas e que existimos aqui, apesar empecilhos.
Então a gente para e pensa sobre o casamento no meio do nosso casamento. Sim, porque ficamos preocupadas em agradar, em saber se os convidados estão se divertindo, querendo que dê tudo certo, que não falte gelo, que a festa seja boa, que o juiz não erre seu nome, que você diga sim na hora certa. Sim, passa de tudo na nossa cabeça e, no meio disso, a gente celebra. É no meio disso que os amigos e a família vêm dizer delicadezas, desejar felicidades e então compartilhamos. Pais, mães, avó religiosa de oitenta anos, os mineiros, os gaúchos, os parentes distantes, os irmãos que moram longe, os amigos em outros países, os amigos daqui de pertinho, a irmã que faz tudo acontecer lindamente, todo mundo acha uma via para dizer algo, para mostrar que amam junto. E sentimos uma imensa alegria, porque todos estão perto, mesmo os que não puderam vir, sabemos que estão ali em pensamento e coração.
Nessa hora agradecemos. Agradecemos por estar mesmo dizendo que o casamento pode ser outro que não o de obrigações, que não o de conveniências, que não o de aparências, o injusto, o ilegal até, o errado. Agradecemos e nos sentimos contentes por pensar que aqui escolhemos, para além da estatística, mostrar que o amor vence e que pode e deve ser visto e celebrado nesses tempos. O Brasil pegando fogo, a gente com medo de perder direitos, a gente com medo da instabilidade política, da crise, a gente com medo do Brasil até, e, talvez, justamente por isso, fazendo dele um lugar em que podemos viver melhor.