Heloísa Buarque de Hollanda, pesquisadora, crítica literária, teórica da literatura, mulher de setenta e sete anos de vida, me disse, com a boca cheia de bolo, depois de uma palestra incrível, que tinha adorado meu livro. Foi bonito, não me entendam mal, foi muito bonita aquela liberdade. Quando eu estudava os textos dela na faculdade, nunca imaginei que um dia, ela pudesse falar algo sobre o meu trabalho. Aquele monumento à cultura, e quando digo cultura, não falo de alta cultura, falo daquilo que move as pessoas a transformar, expandir, deslocar o modo de pensar e agir, me dizendo que eu deveria seguir.
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Mas não é sobre este evento que eu quero falar, quero contar sobre o que ela viu durante todos os anos em que esteve fazendo pesquisa, sobre como ela nos contou que vê o mundo hoje. E sobre como nada disso cabe nesta coluna. Disse ela que em nenhum momento da história, o feminismo conseguiu tanta coisa quanto agora. Disse que os processos reivindicatórios, apesar de serem para a não-retirada de conquistas, caminham para o sucesso. Disse ela que todo esse discurso de empoderamento é real e efetivo e que estamos mesmo desestabilizando um sistema que, é claro, ainda precisa mudar muito e em muitas instâncias. Heloísa pesquisa mulheres na literatura, e vêm contribuindo com dados e ações desde os anos sessenta para a área. Ela está na universidade, nos eventos, nos diálogos que acontecem em palcos, mas também está nas periferias, na sala de aula, nos grupos de pesquisas que cavoucam, organizam e jogam essas novas configurações de mundo (que podem sim vir da literatura) para os lugares onde o conhecimento é organizado e discutido e, portanto, muitas vezes choca, por ser tão distinto de um modo de pensar elitizado. (Heloísa encabeça um projeto chamado Universidade das Quebradas, vale saber sobre). Ela não é a única a fazer isso, um grande nome deste tipo de pesquisa-ação é Regina Dalcastagnè, da Universidade de Brasília. Que coordena o grupo de estudos em literatura brasileira contemporânea e chama para a mesma mesa de debate, os nomes dos grandes prêmios literários do Brasil, bem como, os nomes que estão aí nos saraus de periferia, slam das minas, por exemplo. E faz isso, porque vê a importância do entrelaçamento dessas vozes, de suas permeabilidades, da urgência da escuta.
Não me espanta que sejam mulheres a pensar o mundo pragmaticamente por meio da literatura. Não me espanta em nada que sejam mulheres a serem criticadas por tais projetos, porque elas instauram uma espécie de medo. Medo de que as coisas sejam mais justas, medo de que muitos tenham mesmo que rever seus privilégios para continuar vivendo sem sentir o peso da hipocrisia.
Escutar o outro faz pensar e transforma o mundo, perto e longe de você. É preciso lembrar sempre que a literatura é um fantástico exercício de alteridade.