Enquanto 2016 acabava pela última vez, eu olhava longe, mar adentro, olhava direto para a curva escura do mundo e pensava no que poderia vir dali. Então eu lembrei que tinha deixado um copo d’água em cima da mesinha de cabeceira, junto a um livro meio-lido. Aquilo tinha sido antes da minha viagem de férias e antes de uma das vezes que 2016 acabou, não a última. Na minha viagem, enquanto o avião se descolava do chão e se afastava de Caxias e em seguida do Sul, eu me afastava do fim das coisas e pensava que quando eu voltasse, elas estariam lá ainda. Só que antigas. Numa distância não física, mas de memória. E caberia só a mim guardá-las ou esquecê-las. E caberia só a mim escolher se lembraria das coisas ou do fim delas. E caberia somente a mim aprender se esses dois estados seriam inerentes.
Lá de cima, enquanto o avião se afastava, eu pensava no antes, na primeira vez que 2016 acabou. Não consegui visualizar direito como foi que tudo aconteceu. Naquele momento, eu estava preocupada demais em pagar contas, terminar projetos, ter uma mesa de trabalho e gatos, essas coisas todas que nos preenchem a vida cotidiana. O ano em si foi impreciso e acho que eu nem notei quando ele se foi pela primeira vez.
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Entre seus finais, eu revezava esperanças e indignações, festa e luto e até beber para esquecer eu bebi. Sou fraca para bebida e boa de memória, seja verídica ou inventada. Aprendi que a memória é constituída por partes desiguais de fatos, mentiras e borrões, mais ou menos.
Então, quando 2016 acabou pela última vez, eu desenterrei meus pés de uma areia fina e movediça, e escolhi esquecer jamais. E na beirinha espumosa do novo ano, escolhi saudá-lo, mesmo se feio, mesmo se pouco, mesmo se resto imenso. Escolhi temer jamais diante de quem apenas enxerga o ano como um conjunto de letras partidas e de números altos que ecoam um Feliz 2017 no vazio.
Prefiro saudar o tempo, matá-lo ou aninhá-lo no peito, isso vejo depois. Agora penso: há que se ter força e movimento e impulso também. E jamais esquecer aquele copo d’água em cima da mesinha de cabeceira junto a um livro meio-lido, nem de todas as vezes que 2016 acabou.
Palavras inteiras e números que não sejam quantias depois de um cifrão me são mais queridos e servem para desejar que em dois mil e dezessete sejamos o que for juntos.