Um filme sobre política, sobre seres políticos, sobre princípios, conflitos e ideais, ou sobre a política que aplicamos no dia a dia. Trumbo: Lista Negra é muito mais do que a história de um personagem real num dos capítulos mais obscuros de Hollywood, o longa coloca o cinema dentro do cinema para escancarar feridas ainda abertas e faz das dualidades humanas fonte para um roteiro divertido e emocionante. Baseado no livro Dalton Trumbo, de Bruce Cook, e com direção de Jay Roach (mais conhecido por comédias como Austin Powers e Entrando Numa Fria), a produção estreia amanhã na Sala de Cinema Ulysses Geremia.
Dalton Trumbo escreveu mais de 30 roteiros de cinema entre as décadas de 1930 e 1970. No final dos anos 1940, seu nome e o de outras dezenas de artistas passou a integrar uma lista negra que apontava envolvidos com o Partido Comunista. O momento era de ódio escancarado aos "vermelhos" nos Estados Unidos, com o terreno sendo preparado para a Guerra Fria. Trumbo é apresentado na telona já como um roteirista de sucesso. Mas enquanto bebe com outros engravatados numa festinha bacana, proclama um discurso inflamado a favor de trabalhadores pouco valorizados dentro da indústria cinematográfica. É exatamente desse abismo entre universos muito diferentes que emerge o personagem, junto com seus próprios conflitos - ora vive um herói, ora um opressor.
Quando é impedido de trabalhar por conta de suas posições políticas, Trumbo dá um jeito de encabeçar um mercado negro de roteiristas. O grupo, composto por outros comunistas como ele, passa a escrever sob pseudônimos. Neste contexto, o filme busca subsídios não somente no embate entre comunistas e seus perseguidores públicos (a colunista social Hedda Hopper, na pele da ótima Helen Mirren, ou o icônico John Wayne, vivido por David James Elliott), também foca nos conflitos ideológicos que emergem no próprio meio dos esquerdistas. Preste atenção no personagem Arlen Hird (Louis C.K.), o amigo mais rebelde de Trumbo, e suas acusações sempre pertinentes ("você luta como um radical mas vive como um rico").
O filme leva aos olhos do mundo um período pouco comentado da história do cinema nos EUA e acompanha, por exemplo, troféus de Oscar sendo entregues a roteiristas que não existiam, ou a tensão nos bastidores de obras-primas como Spartacus (1960). Trumbo é ainda uma grande oportunidade para conferir o talento de Bryan Cranston no papel título. Mais conhecido como o Mr White da série de televisão Breaking Bad, Cranston concorreu ao Oscar de Melhor Ator e teria grandes chances de vencer - mas em seu caminho havia Leonardo DiCaprio lutando com um urso (O Regresso). Cada detalhe na construção do personagem é minucioso - repare nos tiques nervosos - e o espectador é sugado para uma gangorra de emoções com riso, choro, discurso, coragem e fragilidade. Tudo envolto em muita fumaça de cigarro.
A experiência do espectador em Trumbo: Lista Negra também pode levar a uma involuntária comparação com a situação política no Brasil. Guardadas as devidas proporções, é interessante acompanhar a ascensão do discurso de ódio. O "vá para Cuba" ganha no filme uma versão artística: "vá ver o Bolshoi" (balé russo). E uma das frases de efeito proferidas por Trumbo ecoa nesses tempos de gente pedindo a volta da ditadura: "há muitas pessoas zangadas e ignorantes no mundo, e elas parecem estar se reproduzindo em número recorde".
:: Programe-se: o filme estreia nesta quinta e fica em cartaz até o dia 20 de março, com sessões às 19h30min (quintas e sextas) e 20h (sábados e domingos). Ingressos a R$ 10 e R$ 5 (estudantes e idosos). A Sala de Cinema Ulysses Geremia fica no Centro de Cultura Ordovás (Rua Luiz Antunes, 312).
Cinema
"Trumbo: Lista Negra" estreia na Sala Ulysses Geremia, em Caxias, nesta quinta
Bryan Cranston foi indicado ao Oscar de Melhor Ator pelo papel título
Siliane Vieira
Enviar emailGZH faz parte do The Trust Project