
É quase um fetiche para o espectador a possibilidade de ver seus atores preferidos em bons filmes de gângster. Johnny Depp já deu canjas aos fãs do subgênero - como em Donnie Brasco (1997) e Inimigos Públicos (2009) - mas nenhuma de forma tão peculiar, esteticamente falando, como em Aliança do Crime. O longa estreia nos cinemas de Caxias hoje.
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Não é novidade que Depp tem certo carinho por personagens de aparência um tanto bizarra, mas desta vez o ator investe pesado no quesito "figuras estranhas" encarnando o mafioso Jimmy "Whitey" Bulger, personagem real que fez história no crime organizado de Boston entre as décadas de 1970 e 1980. É quase como se o semblante doido de Willy Wonka tivesse se misturado à frieza de Sweeney Todd - acrescido ainda de um par de terríveis olhos azuis, de uma careca de respeito, e de um dentinho amarelo que "abrilhanta" o sorriso. Certamente, você nunca viu Johny Depp assim.
A performance do protagonista é o ponto alto do filme orquestrado pelo diretor Scott Cooper (de Coração Louco). Até uma possível indicação ao Oscar se desenha ao ator a partir da mutação no visual (a Academia adora!) e, claro, do minucioso trabalho de interpretação. O Bulger de Depp tem um jeito compassado de falar que contrasta diretamente com sua natureza extremamente violenta. Num momento ele pode estar discursando sobre amendoins, e no outro pode estar esmagando sua cabeça exatamente como um. Mas há algo que diferencia o personagem dos gângsters mais conhecidos do cinema: ao longo da trama, ele vai ficando cada vez mais sombrio.
Além da ótima dupla de protagonistas, o elenco tem ainda boas entregas de Kevin Bacon, Corey Stoll e Peter Sarsgaard. O roteiro, baseado no livro de uma dupla de repórteres do jornal Boston Globe, trabalha bem com os diálogos, revelando os bastidores de uma aliança improvável entre o FBI e o criminoso Jimmy Bulger. Daí entra o papel fundamental do investigador da polícia John Connelly (vivido com talento por Joel Edgerton). Os dois são amigos de infância e Connelly propõe uma troca de favores a Bulger: o contraventor fornece detalhes sobre os negócios de um mafioso italiano que a polícia deseja prender, enquanto fica protegido no papel de informante. A comunhão sai do controle e acaba se convertendo em violência desenfreada pelas ruas de Boston.
Termos como honra e lealdade são muito presentes na trama, que vai ficando mais séria do meio para o fim. Dá até para sentir falta dos momentos de escape cômico, como os hilários ensinamentos de Bulger para o filho criança ("se ninguém ver, não aconteceu"). A trilha é um pouco "scorsesiana" - tem títulos como Slave, do Rolling Stones -, mas é utilizada com moderação. Parece que o diretor prefere dar um tom mais sóbrio ao longa, preocupando-se também em não glamourizar (muito) o uso da violência na telona. Em Aliança do Crime, a história é bem contada e a direção de atores é muito competente, mas há mais espaço para tensão do que para as tradicionais tiradas divertidas dos filmes do estilo. Escolha corajosa do diretor.