A jornada do personagem central do longa Dromedário no Asfalto vai de Porto Alegre a Montevidéu, do pé na estrada ao pé na areia, da carona em carro de família à carroceria de caminhão, do bailão sertanejo ao inferninho punk. Comum a todos cenários e situações do longa dirigido pelo gaúcho Gilson Vargas, apenas a solidão de Pedro (Marcos Contreras) e sua busca silenciosa. O filme, que circulou em festivais no ano passado, chegou aos cinemas brasileiros nesta semana. Em Caxias, ganha sessão especial neste sábado, às 15h30min, na sala Ulysses Geremia, seguida por um bate-papo com o diretor sobre as peculiaridades da produção e road movies em geral.
O vazio das belas panorâmicas - o caxiense Bruno Polidoro assina a fotografia do longa - conversa com o vazio que atravessa o protagonista e o resultado é um filme para sentir. A narrativa justifica-se lenta para ser saboreada aos poucos. O espectador caminha ao lado de Pedro sem saber praticamente nada a seu respeito, de onde vem ou para onde vai. Sua voz em off conta mais sobre ele do que propriamente os lugares por onde passa. Ora lendo uma carta escrita pela mãe (recém-falecida), ora verbalizando seus próprios pensamentos na imensidão deserta da paisagem, o texto é tocante e bem utilizado. "O silêncio é o som de todas as coisas em volta. Quanto mais calado eu fico, mais preciso ficar. Quando falo, estranho minha própria voz".
Mas a solidão do personagem não preenche a telona sozinha. As figuras que cruzam o caminho de Pedro (ou seria ele ao cruzar o delas) trazem certo movimento à trama. Aí entra um dos principais acertos da equipe de produção: manter os olhos e as câmeras atentas às interferências do ambiente. Uma das cenas mais emblemáticas do longa, aliás, foi captada ao acaso: um caminhão carrega uma casa na carroceria, metáfora pronta para um forasteiro como Pedro. Pescadores, caminhoneiros, botequeiros e pescadores de verdade também são introduzidos ao universo do filme. Alguns deixam no personagem marcas de acolhimento e afeto - e não era exatamente em busca disso que ele caminhava?
Mas o ponto mais positivo com relação ao filme de Gilson Vargas não é exatamente a narrativa intimista que propõe, nem as poéticas imagens que oferece. Dromedário no Asfalto é resultado de uma constatação madura do cineasta e sua equipe: a de que o cinema existe (ou resiste) para além dos grandes orçamentos. Melhor ainda se for feito por um grupo de pessoas em sintonia e abertas a cooperação - nesse caso, com os uruguaios. A equipe viajou ao país vizinho seis vezes e rodou cerca de 10 mil quilômetros pesquisando e gravando. Ao levantar a bandeira da liberdade de criação, o filme abre caminho para o cinema autoral. E que essa viagem seja bem longa.
A Sala de Cinema Ulysses Geremia fica no Centro de Cultura Ordovás (Luiz Antunes, 312). Ingressos custam R$ 15, à venda a partir das 15h na bilheteria.
Estreia
Longa "Dromedário no Asfalto" será exibido em Caxias neste sábado
Sessão terá bate-papo sobre road movies com o diretor Gilson Vargas
Siliane Vieira
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