- Morar na cidade seria tão estranho quanto a ideia de morar no circo para alguém da cidade. Porque essa é a vida que eles conhecem.
É assim que Adriana Portugal, 34 anos, justifica a razão dos filhos Luis Felipe e Larissa, 8 e 10 anos, sonharem trilhar as mesmas estradas percorridas pela família. E põe estrada nisso.
Confira a galeria de fotos da criançada do Circo Portugal
Alojado desde o início da semana no estacionamento do Iguatemi Caxias, o Circo Portugal roda por todo o país desde a década de 1940. Em uma caravana de dezenas de trailers e motorhomes, onde a trupe desembarca forma-se uma vizinhança em que a falta de endereço é compensada com muita intimidade e parceria entre as poucas famílias são a maior parte do circo. E como em toda boa vizinhança, a brincadeira da criançada é que dá vida ao dia a dia.
Luis Felipe e o primo Cauã, 9, têm nos artistas circenses os heróis em quem se inspiram para brincar de gente grande. Não é que não gostem de tablets e videogames, mas encarnar Butchuca e Tachinha, uma dupla desastrada que repete as estripulias dos palhaços do picadeiro, é a diversão preferida. Requer apenas alguns minutos para desenhar a máscara, vestir o figurino e colocar o nariz vermelho arredondado para encenar as reprises, como são chamadas as breves cenas que compõem os espetáculos. E toda a família se engaja.
- Como eles são muito novos, não podem participar do espetáculo. Acho uma pena, porque a gente liga a TV e vê artistas mirins em tudo que é canal. Por que no circo não pode? - questiona o malabarista Luciano Avanzi, 39, pai de Cauã.
Os filhos do circo invariavelmente se espelham nos pais. Luis Felipe, por exemplo, quer se aventurar no globo da morte. Cauã, claro, quer ser malabarista. E não sonham com outra vida:
- Quero fazer o que meu pai faz - conta Cauã, que pratica malabares com bolinhas, claves e aros três horas por dia.
Mãe de Cauã, Andréia Portugal, 38, é da sétima geração de artistas da família e corrobora a opinião da irmã Adriana. Foi no circo que ela nasceu e também onde conheceu Luciano. Pela vida itinerante, os três filhos nasceram em Estados diferentes: Cauã, o caçula, em Presidente Prudente-SP; Gabriela, 12, é paranaense de Maringá; e Luciano, 15, é de Varginha-MG. Segundo ela, a vida circense se mistura com a história da família.
- Não penso em morar na cidade, nunca morei em uma casa. Acho que a vida que eles têm que seguir é a do circo mesmo. Claro que às vezes sentem saudade de algum lugar onde gostou mais, mas eles acostumaram a saber que vão embora e nunca pediram para ficar.
Dançarinas e contorcionistas
As primas da família Portugal são tão inseparáveis quanto os meninos. Gabriela, 12, é irmã de Cauã. Larissa, 10, é irmã de Luis Felipe. Compartilham também o sonho de dedicar a vida à arte. Porém, enquanto os meninos se divertem como palhaços, malabaristas e sonham com o globo da morte, elas concentram as habilidades na dança e nas acrobacias com argolas.
Gabriela, que também sonha em ser bailarina, já se apresenta com as dançarinas nos espetáculos do Circo Portugal. Mas ambas querem brilhar juntas nas liras, uma espécie de variação do trapézio em que coreografias são feitas ao redor de argolas suspensas:
- A lira é minha preferida, é um sonho. Mas é mais difícil também - diz Larissa.
Enquanto não se aventuram nas argolas aéreas, as meninas brilham no bambolê, que dominam com perfeição. Rodam nos joelhos, na cintura, na ponta dos dedos, conversando como se fizessem as unhas.
Escola garantida e shows para os colegas
Não importa onde o circo está ou por quanto tempo irá ficar na cidade, suas crianças nunca deixam de frequentar a escola. O direito é garantido pela lei 6.533, de 1978, que garante vagas em instituições estaduais a filhos de artistas itinerantes.
Em Caxias, a gurizada está na Escola Municipal Paulo Freire, no loteamento Mariani. Para Cauã, a mudança frequente não é problema. Ao contrário, é uma chance de fazer mais amigos:
- Quando a gente vai embora dá saudade dos colegas e dos professores. Mas a gente tenta manter o contato pelo Facebook - conta o garoto.
A escola é também a chance de mostrar um pouco da arte que envolve suas vidas. Como forma de aproximar um pouco as crianças "da cidade", como se referem aos não-circenses, de sua realidade, preparam pequenos shows de mágica, malabarismo ou de palhaços para os colegas. Porque a vida itinerante, segundo Cauã, desperta muita curiosidade das outras crianças:
- Fazem muita pergunta sobre como é a vida no circo, se tem banheiro em casa. Acham que eu moro dentro do circo mesmo. Mas quando vêm assistir o show eu trago pra conhecer minha casa e eles veem que é normal. Tem geladeira, micro-ondas, ar-condicionado, não falta nada - exemplifica o menino.
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