Com um acervo recheado de relíquias, não surpreende que um dos principais desafios dos museus de Caxias seja a conservação das peças. Afinal, a ação do tempo pode ser implacável não apenas com materiais frágeis, como papéis, cerâmicas e tecidos, mas também com metais e objetos entalhados em madeira.
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E são muitos os agentes que podem danificar o acervo: de partículas de poeira a insetos e fungos, da exposição aos raios de sol à umidade relativa do ar. É por esse motivo que a chamada conservação preventiva é um esforço contínuo da equipe que trabalha na reserva técnica.
Um dos cuidados é com a temperatura do ambiente, que precisa ficar entre 18ºC e 20ºC. Também é necessário manter um desumidificador de ar sempre a postos, uma vez que o índice de umidade não pode ser inferior a 45% e nem superior a 60%. As janelas, por sua vez, são protegidas com cortinas ou filtros de iluminação, enquanto as lâmpadas fluorescentes não podem ultrapassar os 70 watts de potência.
E para higienizar as peças, nada de produtos abrasivos. A alternativa é recorrer a sabão líquido de glicerina, álcool, vinagre e cera incolor. Os utensílios também são simples: panos de lã, algodões e pincéis de cerdas macias.
A conservação preventiva não é uma restauração, mas um cuidado para que a peça sobreviva por mais tempo, mantendo viva sua história.
— Digamos que a gente receba essa máquina de costura com a parte de metal toda enferrujada. Nós não vamos lixar para deixar ela toda cromada, como era originalmente. É preciso respeitar a história — explicou Marizete, enquanto encerava o equipamento fabricado na Alemanha, por volta de 1895, e que pertenceu à Josefina Miotto, falecida na década de 1960.
HISTÓRIA E REPRESENTATIVIDADE
Para entendermos o que leva um objeto ser considerado de valor histórico e como um museu formata sua expografia (ou seja, como são escolhidos os itens em exibição e que narrativa eles contam ao público), conversamos com o historiador Itamar Comarú.
Membro do Conselho Municipal do Patrimônio Histórico e Cultural de Caxias do Sul, Comarú é adepto de uma corrente chamada museologia social, que defende os museus como espaços abertos às preocupações do mundo contemporâneo. Confira os principais trechos da conversa:
Almanaque: O que faz um objeto ter valor histórico?
Itamar Comarú: Eu que acredito que sejam as relações de memória desse objeto e sua importância para a historicidade da comunidade que ele faz parte. É o que ele representa ou o que pode agregar de conhecimento no campo pedagógico, cultural e social para merecer essa chancela de patrimônio cultural.
Como saber se aquela "relíquia de família" pode integrar o acervo de um museu?
Teoricamente, todos os objetos antigos poderiam fazer parte de um museu. No entanto, é preciso saber quais são os critérios de cada instituição, que história ela quer contar e de qual acervo precisa. O material que a pessoa tem em casa, em muitos casos, é tão importante quanto o que temos nos museus ou nas reservas técnicas.
Existem museus que contam histórias mais específicas, enquanto outros exibem acervos mais amplos. Que proposta te parece mais adequada?
A corrente que mais me agrada é a museologia social, decorrente da Mesa Redonda do Chile (evento convocado pela Unesco e realizado em 1972), onde surgiu a ideia de envolver as comunidades e os problemas que elas enfrentam. A ideia é que o museu consiga dialogar com a comunidade onde está inserido, apresentar os problemas e propor soluções.
Como os museus podem ampliar seu papel pedagógico?
Temos que superar aquela visão de que museu é lugar de coisa velha, sem sentido, ou um simples gabinete de curiosidades, com objetos estranhos ao cotidiano. Por isso acho importante que todos consigam se sentir representados nas instituições de memória. Cada vez mais, os museus estão sendo palco e fonte de pesquisas acadêmicas de múltiplos campos do conhecimento, contribuindo para o crescimento do campo científico da comunidade em que estão inseridos.