O time de Zagallo na Copa de 70 foi um achado. Pela qualidade, pela invenção e pela implantação prática, já naquela época, de um programa de qualidade e competitividade, tão perseguido nos ambientes corporativos hoje em dia. Zagallo colocou os melhores no time para jogar. Encontrou um lugar para cada um. Do meio para frente, jogavam Gerson, Pelé, Jairzinho, Tostão e Rivelino, e se diz que todos eram armadores e meio-campistas. Essa foi uma lição de gestão de grupo, de pensamento tático e estratégico e de desenvolvimento de um programa de qualidade. Mas também funcionou o time de Zagallo em 70 por uma certa relação de intimidade da torcida, de proximidade, de comunicação com o grupo de jogadores, com a equipe. Vejam esta escalação, time-base de Zagallo naquela Copa: Félix, Carlos Alberto, Brito, Piazza e Everaldo; Clodoaldo, Gerson e Pelé; Jairzinho, Tostão e Rivelino. Apenas um nome duplo, e mesmo assim, era o nome próprio, de identificação direta, sem incluir sobrenome. Eram nomes diretos, até apelidos. Pelé não era Edson Nascimento, nem Tostão era citado como Eduardo Gonçalves nas narrações, ou ainda Jairzinho não era Jair Ventura. Tudo muito mais fácil, aproximando a relação, a identificação, o reconhecimento, a referência. Nós, crianças da época, sentíamos ali um ambiente popular e informal.
A Copa de 1974, muito pela duplicidade de nomes de jogadores convocados e a necessidade de diferenciá-los, começou a incluir a solenidade do nome e do sobrenome. Havia Paulo César Carpegiani, Paulo César Lima, Marinho Chagas, Marinho Peres, e ainda Waldir Peres e Luís Pereira, que ficaram sendo os "nomes de guerra" dos jogadores. Assim foi evoluindo a designação dos jogadores. Até chegarmos aos exageros que vemos hoje nos convocados de Tite: Daniel Alves, Thiago Silva, Alex Telles, Bruno Guimarães, Everton Ribeiro, Vinicius Júnior, Gabriel Martinelli, Gabriel Jesus. Bruno Guimarães é o auge da formalidade. Poderia ser Bruno, mas há vários Brunos por aí, por certo. Na Seleção, porém, há só um, e poderia ser tão somente Bruno. Mais íntimo, mais familiar, mais próximo, mais direto, mais compreensível. Vinicius Júnior por que não é chamado, desde sempre, apenas Vinicius? Romário, Bebeto, Zico, Falcão, Ronaldinho, muito melhor assim no ambiente do futebol e dos torcedores.
O futebol foi se tornando mais pomposo com o passar dos anos, e o nome dos jogadores é apenas um sintoma. O futebol tornou-se, gradativamente, menos paixão e mais negócio, as relações, que eram mais francas, diretas e informais no ambiente dos clubes e seleções, tiveram de resignar-se à formalidade do trato. Os estádios e arenas tornaram-se menos acessíveis ao torcedor comum, até pelo preço para ingressar no estádio e as despesas adicionais. O futebol de hoje nos estádios, definitivamente, não é feito para o torcedor comum, aquele de menor poder aquisitivo.
O futebol perdeu muito da graça ao longo do tempo. Dirão que ganhou em profissionalismo. Até certo ponto, pode ser. Mas é bem melhor uma escalação assim, do meio para frente: Gérson e Pelé; Jairzinho, Tostão e Rivelino. Pela qualidade da seleção de craques, todos juntos no mesmo time, pela identificação e pelo chamamento simples, direto e descomplicado pelo torcedor. Uma combinação que não se vê mais.
* Durante toda a Copa do Mundo, o colunista Ciro Fabres publicará em GZH Histórias de Copa, uma coletânea de crônicas e histórias embaladas em torno das Copas do Mundo, desde a primeira delas acompanhada pelo colunista, a de 1970, no México. Com a Copa do Qatar, são 14 Copas.