Certamente escutei isso pela primeira vez de minha mãe, na chamada “mais tenra idade”, isto é, nos primeiros anos de vida. Um tombo, daqueles tombos de criança que esfolava o joelho e ficava um vergão em carne viva. Quantas vezes nos espatifávamos nas lajes ásperas da vida! Começamos nosso aprendizado, nossas tentativas, nossa interação social caindo, sofrendo quedas desde pequeninos. Deve haver alguma razão pedagógica aí.
Mas o tombo sobrevinha, o joelho ardia dilacerado e minha mãe vinha com um assoprão, o mercúrio cromo, depois o bandaid e a frase:
– Vai passar.
O mercúrio cromo era menos ardido do que o mertiolate.
E passava. Às vezes, ficava uma cicatriz mais demorada. Ah, as cicatrizes... Marcas para a vida e mais ensinamentos. Anos mais tarde, nos ensaios das primeiras paixões, nas dores de amores, sempre havia um ombro amigo, disponível para essas horas, a lembrar que só um novo amor para acalmar o antigo, reproduzindo a sugestão da mãe lá no início:
– Vai passar.
E passava. Mas de novo, alguma cicatriz pode ter ficado.
Sobreveio a juventude, e naquele tempo mágico dos Anos 80 o poeta nos brindou com uma das mais belas canções da música popular brasileira: Vai passar. A música de Chico Buarque vem inevitável à mente quando se tropeça na sugestão mais ouvida nesses dias, de que tudo vai passar. “Num tempo, página infeliz da nossa história...” Outro tempo infeliz agora, não há dúvida. A ofegante epidemia da época, porém, era um bálsamo, “uma alegria fugaz, e se chamava carnaval”.
Há outras sugestões de que vai passar. “Tudo passa, tudo passará”, já bradava o indefectível Agnaldo Timóteo nos longínquos Anos 60. Na nossa vivência regional (“mas o que é bom se termina, cumpriu-se o velho ditado”, de Jayme Caetano Braun), no ditado popular (“não há bem que sempre dure nem mal que nunca se acabe”), na citação bíblica do livro de Eclesiastes (“Tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo propósito debaixo do céu”), na veia pop de Lulu Santos (“a vida vem em ondas como o mar, num indo e vindo infinito”), nisso tudo está o ensinamento precioso de que tudo passa – talvez não o sertanejo universitário, que este veio para ficar e segue entre nós, hegemônico e pegajoso, há duas décadas.
Vai passar, sim. Quando, ninguém sabe ao certo. É provável que ainda demore um bom tempo. É certo que vai passar. Mas o custo já é altíssimo, ao preço de milhares de vidas perdidas. “Página infeliz da nossa história.” Vão ficar uma cicatriz gigante e pelo menos – tomara! – o aprendizado.