Há anos convivemos com a situação, mas, à medida que o tempo passa, cada vez escancara mais. A frequência e o enredo dos episódios alarmam. Mas o pessoal sente-se à vontade, sem ser molestado, então vai em frente desinibido, praticando horrores. Como na segunda-feira, 11 da manhã, dentro do Aeroporto Salgado Filho. Um jovem de 18 anos que fazia aniversário foi assassinado, episódio que se junta às mortes de uma jovem de 25 anos que estava com a filha de um ano e nove meses e o marido em Canoas, e a contribuição caxiense para esta estatística, a jovem morta em frente a uma casa noturna na madrugada de domingo.
Leia mais
Frei Jaime Bettega: eu sei o meu papel nesse mundo
Adriana Antunes: meus pés e o jasmim
Marcos Kirst: Dante e o Pokémon
Tríssia Ordovás Sartori: pelo frio na barriga infindo
Esses foram apenas os casos mais retumbantes dos últimos dias. No episódio de Canoas, agora se sabe que foi o marido quem mandou matar. Em Caxias, é provável que as balas tenham sido direcionadas à casa noturna, e foram derrubando quem se atravessou no caminho, inclusive a jovem Érica, 20 anos, que nada tinha a ver com o entrevero. E no Salgado Filho, foi um crime encomendado porque o menino morava em um território dominado por uma facção do tráfico e estaria namorando uma jovem moradora de área vizinha, comandada por um grupo rival. Enredos surpreendentes.
Os três episódios desnudam a evidência de que o pessoal sente-se à vontade para matar porque tem a clara sensação que, no geral, está liberado para matar. Este é um dos nossos dramas. Criou-se um ambiente de vale-tudo. Os três trágicos acontecimentos muito bem poderiam integrar a impecável série Justiça, que a Globo tem apresentado tarde da noite com doses de um realismo contundente capaz de abafar o tradicional verniz da ficção. A série nos apresenta outra faceta da Justiça, além da já conhecida, aquela que, em combinação com a falência do sistema carcerário, manda o recado para esse pessoal de que “não dá nada”, então eles saem a matar. Essa outra faceta é que a Justiça, em geral, é implacável para quem não tem dinheiro.
Então, mais do que a Justiça, o sistema penal falha, e esse pessoal sai atirando no aeroporto, na frente da boate, o marido manda matar. Só ali na região da rótula da São Leopoldo com a Perimetral, pelo menos quatro já foram mortos do ano passado para cá. É assim que estamos, e cada vez escancara mais. Então, surge um subproduto de alta voltagem, que é a justiça de alguma forma, inclusive com as próprias mãos.Enquanto não se consertar o sistema penal, não tem saída. O pessoal se sente à vontade, e vai continuar matando.