A valorização do trabalho na videira sempre foi um motivo de orgulho da Serra. As imagens que mostram a Vindima, as mãos cheias de terra e pigmentadas pela uva sempre foram um símbolo muito forte de um trabalho árduo, mas gratificante. Se no passado as famílias numerosas cumpriam esse papel, na realidade atual, com núcleos menores e êxodo rural, ter a colheita exclusivamente familiar é um fato ainda mais raro. No entanto, essa imagem ainda é muito presente quando se pensa na região que mais produz vinhos no país.
O problema da escassez de mão de obra na colheita da uva não é de hoje e não é apenas da Serra gaúcha. Países com volumes de produção muito maior do que o Brasil, caso de Espanha, França, Itália e Portugal, buscam imigrantes para trabalhar na colheita. Só a região da Toscana, na Itália, produz quase a quantidade de vinhos do nosso país. O problema não está em contratar pessoas para auxiliar na safra, o problema está nas condições de trabalho oferecidas.
As belas programações oferecidas aos turistas para mostrar a Vindima, a sensação de colher uva embaixo do parreiral, são belas formas de homenagear um trabalho que é, sim, lindo, mas que não tem nada de glamouroso. Pelo contrário, é um dos mais desafiadores da fruticultura. Diferentemente da maçã, por exemplo, em que a colheita se estende por meses, a uva tem um período muito mais concentrado, principalmente nesta segunda quinzena de fevereiro. Por ser uma região tradicionalmente úmida, quando ela atinge o grau de maturação, inicia a corrida para garantir que esteja colhida a tempo de não afetar sua qualidade. E, para isso, é preciso muitas mãos.
Todo esse esforço que é motivo de orgulho contrasta com as imagens, como a que vimos na última semana, que mostram condições deploráveis em que safristas foram resgatados em Bento Gonçalves. Elas vão totalmente contra ao que este trabalho para se chegar a um vinho representa. Por isso, o caso tem sido tão lamentado por toda a cadeia vitivinícola da Serra com quem conversei. Produtores e trabalhadores rurais, vinícolas, representantes de entidades do vinho, sommeliers, profissionais de mercado e consumidores são unânimes ao condenar o que precisou ser denunciado pelos próprios trabalhadores. Todos com quem conversei afirmam que será necessária uma mobilização muito forte para combater o problema, primeiro, por uma questão humanitária, mas também para que todo o esforço que vem sendo construído há décadas para valorizar o vinho brasileiro não tenha sido em vão.
A Serra que tanto se orgulha do trabalho que construiu não quer ter sua imagem associada à exploração de trabalhadores, sejam da região que for. E o consumidor cada vez mais tem mostrado que não se importa apenas com o líquido que está dentro da garrafa, ele quer saber sobre todo o caminho que percorreu até chegar nela. Quer saber da história por trás do rótulo. E esta história não pode ignorar este triste capítulo, mas pode escrever um novo.