
A série As Crises que Venci mostra a experiência de empresário de um setor econômico que, nas crises, costuma ser menos afetado, que é o setor da alimentação. Rogerio Tondo, diretor-superintende da Orquídea Alimentos, no entanto, viveu uma crise específica de seu segmento no final da década de 1990, logo depois que assumiu o comando da companhia.
Em 1999, depois de anos com o dólar a um por um (US$ 1 = R$ 1), a moeda norte-americana chegou a R$ 2,50 e a empresa tinha hábito de comprar o trigo na Argentina com prazos de pagamento estendidos. Tinha dinheiro aplicado para pagar, mas com a desvalorização cambial, a empresa duplicou sua dívida. Foi aí que Tondo achou que não conseguiria superar a crise e perderia a empresa fundada pelo pai. O aprendizado da época faz com que, na crise atual, mais do que sangue frio para aguardar, ele acredite que o empresário precisa agir.
– Não sei se é sangue frio ou sangue quente para reagir rapidamente ao que é imposto – disse em entrevista para o pioneiro.com na última quinta-feira.
Sobre a crise atual, destaca que houve queda de vendas para segmentos como o de farinhas para padaria, que caiu 35%. Já a procura pela farinha doméstica cresceu – já chega a 15% nas vendas da farinha de um quilo.
Outra preocupação da empresa, que tem mais de mil funcionários e fábricas em Caxias do Sul e Bento Gonçalves, é com relação aos trabalhadores. A Orquídea fez uma parceria com um laboratório e pretende testar 100% dos funcionários. Já foram realizados 200 testes. O empresário acredita que somente com este controle será possível passar por mais essa crise.
A história da família Tondo é de muita superação, de começar de novo. Qual foi a primeira crise que o senhor venceu?
O início das minhas atividades profissionais coincidiu com as crises de estabilização das moedas nos Anos 1980 e 1990. Saía de um plano, ia para outro, e começava uma nova crise. A inflação chegava a mais de 2.000% em determinados momentos. Eu atuava mais na área comercial e os preços tinham que ser remarcados diariamente. Quando recebia um produto, a matéria-prima tinha aumentado antes. Era uma corrida contra o tempo. Sempre tinha que colocar os preços com uma margem de segurança. Era o cachorro correndo atrás do rabo dele, era sem sentido. Empresas que eram muito capitalizadas acabavam potencializando seus ganhos. A maneira de aprender foi: eu tenho que ter uma empresa mais capitalizada. Foi a primeira lição que levei, estar com o caixa em dia para fazer frente a qualquer adversidade.
E depois, quais se sucederam, qual foi a pior e por quê?
No caso específico da nossa empresa, foi a crise cambial de 1999. O Fernando Henrique Cardoso tinha ganho a eleição muito em cima da estabilização do Plano Real. Fez com que o dólar ficasse em R$ 1 por muito tempo. Três meses depois da reeleição, o dólar chegou a R$ 2,50. Nessa época, nosso setor de moagem de trigo tinha hábito de comprar trigo da Argentina com prazo de 365 dias e os juros eram muito baratos. Então tinha vantagem para o setor. Tínhamos 1 milhão de dólares de dívida e R$ 1,2 milhão aplicados, dava para pagar tranquilamente com o aplicado. Mas, com a desvalorização de R$ 1 para R$ 2,50, duplicou nossa dívida. Foi o momento que pensei: “eu acho que perdi a empresa que era do meu pai”, foi a primeira sensação ruim como segunda geração que dá continuidade ao trabalho dos teus pais. Mas no fim fizemos do limão uma limonada e acabamos dominando mais os mecanismos do hedge cambial (operação que protege oscilação da variação de moedas) a ponto de sairmos mais fortalecidos, porque quando o dólar caiu para R$ 1,50, conseguimos repassar preços para a farinha também e o hedge nos ajudou a recuperar o que tínhamos perdido.
Nas crises de 2008 e de 2014, como foi para o setor da Orquídea, da alimentação?
A indústria de alimentos básicos tem uma característica que, em épocas de bonança econômica, ela não tem rentabilidade muito parecida com a maioria das grandes empresas. Mas, em compensação, em épocas de dificuldades econômicas, a rentabilidade é mais resiliente. Tanto na crise de 2008, quanto nessa de 2014, que foi mais no Brasil, não nos afetou tanto. Foi época de muitas oportunidades, especialmente em 2015, porque foi quando começamos a fazer investimentos em propaganda. Assim, como tinha menos gente anunciando, a imagem da marca ficava mais focada.
E como está sendo lidar com a crise atual? Porque nesse caso ela é mundial, e vocês dependem de câmbio e tem ainda a estiagem.
É surreal essa crise, porque ninguém nunca viveu. Nunca imaginaríamos que outras pestes, como a gripe espanhola, que pareciam tão distantes, viessem a acontecer. Por outro lado, a gente está vendo o quanto o Brasil é desigual. Qualquer medida de mitigação dessa pandemia é muito difícil de ser aplicada nas comunidades carentes, nas favelas, com questões sanitárias muito defasadas. Ela ataca muito o social e a vida das pessoas. O econômico é uma crise que realmente vai fazendo com que as pessoas e as empresas vão gastando seus recursos, suas economias, e isso também é muito angustiante. O nosso setor é privilegiado porque continuou trabalhando. Não poderia haver quarentena sem as pessoas se alimentarem, mas foi difícil para os funcionários entenderem por que eles estavam trabalhando e o resto das pessoas não. Tivemos um trabalho muito grande de convencimento da importância do setor de alimentação e para poder trabalhar com segurança também. Desde a segunda semana de março, fizemos um plano de contingência muito forte, com medidas sanitárias. Até porque, como somos empresas de alimentos, temos a cultura da segurança alimentar, e foi mais tranquilo com as novas necessidades. Fizemos tudo que podíamos e mais um pouquinho. Nosso setor está estressado mas é um estresse de luxo, porque outras atividades pararam totalmente e muitas pessoas perderam empregos.