Nem tudo que vai para o lixo não serve. Tem muita coisa descartada que pode e deve ser reaproveitada. Além de ajudar o meio ambiente, a reciclagem também ajuda a sustentar famílias. Em Porto Alegre, cerca de 700 estão diretamente envolvidas na coleta e separação dos resíduos recicláveis. Sem contar os catadores não cadastrados.
Acompanhamos um dia de trabalho da Coleta Seletiva de Porto Alegre no Bairro Rio Branco. Numa das unidades do Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU) que recebem lixo reciclável, encontramos dona Neuza. Duas vezes por semana, ela caminha da sua casa até o local com sacolas nas mãos. E não é tão perto.
“Uns 30, 40 minutos, por aí. Tem caixas de leite, propaganda que largam lá em casa de supermercado. Aqueles encartes. Hoje eu não trouxe, mas sempre trago jornal”.
O cuidado de Neuza com os resíduos e com quem lida com eles serve de exemplo.
“Tem um vidro, eu coloquei uma fita. E quando é quebrado, eu colo escrito bem grande ‘quebrado, cuidado’”.
Carlos Augusto Rosa parou seu utilitário em frente à mesma unidade do DMLU. Deixou 5 sacolas cheias de materiais recicláveis. “No meu prédio todo mundo faz isso e recolhe aqui na Central do DMLU. Nem espero a coleta passar, prefiro entregar aqui direto”, conta Carlos.
Rose trabalha há três anos com a coleta seletiva. Ela organizava todo o material que chegava à unidade de coleta do DMLU. “Aqui é só lixo seco: garrafa plástica, vidro, jornal, papelão, papel”, relata Rose.
O DMLU também recebe óleo de cozinha usado, que se jogado no ralo, polui os rios.
Embarcamos num dos caminhões da coleta seletiva com o motorista Sanderson.
“Uma volta leva entre 30, 40 minutos, dependendo muito do trânsito. Eu faço duas vezes por dia”, relata o motorista.
Também acompanhamos o trabalho dos garis João Pedro, Davi e Paulo Ricardo. Numa das primeiras ruas, um fato corriqueiro. Encontramos vários veículos passando antes do caminhão da Coleta Seletiva para pegar os resíduos recicláveis.
E não precisou muito. Logo no início da viagem já encontramos lixo orgânico misturado ao reciclável. Tudo bem escondido nos sacos para os garis levar. Mas eles já estão bem orientados sobre como proceder.
“Mais uma vez papel higiênico misturado ao reciclável. Não dá pra levar”, diz o gari.
Depois de encher o caminhão, todo o material recolhido é levado para uma das centrais de triagem do DMLU.
Todo o dinheiro que entra nas unidades de triagem é dividido entre os trabalhadores associados. Na central da Vila Pinto, são 42 pessoas diretamente envolvidas. Quem administra é Sirlei, que detalha as etapas do trabalho.
“Depois da triagem vem pros silos todo o material separado. Depois vai pra prensa. E da prensa ele se torna um fardo e depois a gente faz a comercialização”, destaca a líder comunitária.
Apesar de muita gente ainda misturar o lixo, Sirlei comemora a melhora na conscientização das pessoas nos últimos anos.
“Hoje em Porto Alegre a separação melhorou muito. Acho que devido à conscientização das pessoas, educação ambiental, entendeu. Acho que isso está sendo bastante divulgado”, comemora Sirlei.
Os clientes da Unidade de Triagem da Vila Pinto são fixos. Basta reunir uma quantidade de fardos e chamar as empresas para buscar.
“O isopor a gente vende para a Termotécnica. O nosso papel a gente vende para uma empresa chamada Empapel. As latinhas a gente vende para a Metalsul. E o plástico a gente vende para a Soplast”, detalha Sirlei.
No site da Termotécnica, que compra todo o isopor separado pela unidade da Vila Pinto, quem dá o recado sobre a importância da reciclagem é o próprio isopor.
“Eu sou o EPS, poliestireno expandido, ou como vocês conhecem por aí, o isopor. E eu não gostaria que vocês me jogassem fora. Afinal, eu sou 100% por cento reciclável e reaproveitável, não contamino o solo, o ar, a água e principalmente não destruo a camada de ozônio. Além disso, quando eu sou moldado para proteger os produtos, consumo pouca energia e não gero resíduos”.
No primeiro semestre em Porto Alegre, cerca de 11.600 toneladas de resíduos foram recicladas.
Mas nem todas as unidades de triagem têm a mesma organização que a da Vila Pinto ou sequer estão regularizadas. O Ministério Público possui um inquérito civil público para regularizar esses locais. A promotora do Meio Ambiente de Porto Alegre Annelise Steigleder conta que seis das 18 unidades não possuem licenciamento ambiental. Ela cita algumas das irregularidades flagradas.
“O gerenciamento ambiental é bem precário. Eles recebem de terceiros resíduos eletroeletrônicos, que eles não têm o que fazer porque é um material que não tem potencial de reciclagem. Portanto, é um rejeito que eles colocam em contato com o solo e às vezes eles queimam, inclusive”, destaca a promotora.
O diretor-presidente da Fundação Estadual do Meio Ambiente (Fepam), Nilvo Silva, ressalta que o lixo precisa ser encarado como matéria-prima.
“A questão toda é como eu faço a gestão dos recursos que eu tenho. E o lixo é cheio de recursos. Nós temos petróleo no lixo, nos plásticos, nós temos metais, nos temos vidros, nós temos matéria orgânica que pode gerar biogás, que pode gerar energia. Então há uma possibilidade de quase infinita da gestão dos resíduos sólidos antes de se pensar em colocar no aterro sanitário”, cita Nilvo.
Nilvo Silva já morou na Dinamarca. Conta que lá se reaproveita quase tudo.
“Na Dinamarca, por exemplo, há centrais de coleta de resíduos muito próximas ao cidadão, em várias localidades. Praticamente não há nada que se gere em casa que não se possa dispor corretamente para reuso, reciclagem e utilização como energia, por exemplo”, conta o diretor-presidente da Fepam.
A última etapa da cadeia da reciclagem é a transformação do lixo em um produto novinho em folha. A Green Pallet, de Gravataí, faz isso. A empresa compra 200 toneladas por mês de restos de plástico, como sacolas, garrafas PET e resíduos não aproveitados pela indústria, que seriam jogados na natureza.
Luciano Ribeiro é diretor da Green Pallet. Ele detalha a transformação do lixo em um novo produto.
“Inicialmente nós recebemos a nossa matéria-prima da cadeia de reciclagem. Todo aquele plástico que o consumidor coloca no lixo, ele é pego pelos catadores, é transformado em um plástico em pedaços ou em sacos. Nós o utilizamos dentro da nossa mistura, colocamos num equipamento, que faz uma homogeneização desses diferentes tipos de plástico e depois ele tira uma peça que é o pallet. É um produto novo, onde cerca de 25 kg de plástico que foram jogados no meio ambiente, são transformados num produto pronto para ser utilizado pela cadeia de logística”, explica Luciano.
Por incrível que pareça ser uma empresa sustentável custa mais caro do que não ser. Luciano lamenta que a carga tributária para produtos que utilizam matéria-prima reciclada seja maior que a dos que consomem matéria-prima virgem.
Ouça a reportagem