O vídeo anexado ao processo judicial sobre a morte de Bernardo Boldrini mostra o menino pedindo socorro, em meio a uma briga com o pai, o médico Leandro Boldrini, e a madrasta, Graciele Ugolini. As imagens divulgadas nesta quinta-feira (28), foram gravadas com o celular do médico em agosto de 2013 e evidenciam as ameaças de Graciele.
No vídeo, o pai aparece em um dos quartos da casa da família caminhando em direção a uma porta. No primeiro momento, Bernardo não está no mesmo ambiente em que o vídeo foi gravado. Depois de alguns minutos gritando como se estivesse em outro cômodo da casa, Bernardo vai até o quarto e pede o telefone emprestado - menciona que quer fazer uma denúncia. Nesse quarto, o celular por onde o áudio é captado está por baixo de uma coberta, a imagem fica totalmente escura, mas aparecem as mãos de Graciele. A voz da madrasta também pode ser ouvida.
Entre gritos de socorro, o menino grita: “Vocês querem me matar!” “Eu vou denunciar”, pedindo o telefone como se quisesse pedir ajuda para alguém.
Em outro trecho do vídeo não há imagens, apenas áudios. Bernardo pede socorro e, numa conversa desesperada com pai, defende a mãe (morta em 2010) de ofensas feitas pela madrasta.
Ao final do vídeo, Bernardo aparece com a voz grogue, depois de ter sido medicado pelo pai, mas ainda repete que querem matá-lo.
Veja vídeo:
A gravação foi revelada na terça-feira, durante depoimentos na primeira audiência do caso. A imprensa teve acesso ao áudio na quarta-feira e somente nesta quinta o vídeo foi divulgado.
Transcrição da discussão entre Bernardo, Graciele e Leandro Boldrini:
Voz do Bernardo: Socorro.(inúmeras vezes)
Os gritos do menino oscilam muito, o áudio fica abafado como se ele estivesse em um local com porta fechada.
Voz do Leandro: Vamos se acalmar. Vai para o teu quarto.
Leandro caminha, retornando para o quarto
Voz do Bernardo: Socorro. Meu pai vai me agredir. Socorro!! Socorro!! (...)
Voz do Leandro: Respeita a tua irmã, a Maria aqui…
Leandro já no quarto, onde estão Graciele e Maria, a bebê, filha de Leandro e Graciele
Voz do Bernardo: Socorro!! Vocês me agrediram!! Socorro!!
Voz da Graciele: Fecha a porta… (fala baixinho para Leandro)
Voz do Bernardo: Socorro
Bernardo parece entrar no quarto, a voz fica muita próxima, mas as imagens não mostram o menino - o celular continua encoberto.
Voz do Bernardo: Empresta o telefone, eu quero denunciar vocês. Empresta, vou denunciar!
Voz do Leandro: Aqui quem manda sou eu. (fala para Bernardo)
Voz do Bernardo: Eu quero denunciar, empresta. (Bernardo pedindo o telefone)
Voz do Leandro: tu entra, ou tu sai. Se entrar fala baixo.
Voz do Bernardo: Empresta o telefone agora! Empresta! Kelly (se referindo a Graciele), tu falou que eu poderia denunciar, empresta.
Voz da Graciele: Ah, tu quer o telefone para denunciar (pergunta)
Voz do Bernardo: Sim. Empresta.
Voz da Graciele: Quer denunciar? te vira.
Voz do Bernardo: Empresta.
Voz do Leandro: Cuidado a Maria aqui, rapaz. Que bagunça é essa que tu ta fazendo?
Voz do Bernardo: Socorro (volta a gritar).
Voz do Leandro: E fecha a porta. (diz o pai)
Bernardo sai do quarto, parece ver algo na rua e volta rapidamente.
Voz do Bernardo: As pessoas estão olhando…
Voz da Graciele: Vai lá, pedir socorro.
Bernardo reage ofegante.
Voz do Bernardo: Vão vocês.
Voz da Graciele: Tu que está gritando, tu que tem que ir.
Voz do Leandro: Quem que começou essa bagunça.
Voz do Bernardo: Vocês que me agrediram. (fala para Graciele)
Voz da Graciele: E vou agredir mais. A próxima vez que tu abrir a boca para falar de mim, eu vou agredir mais.
Voz do Leandro: Xingando ela, ninguém merece ser xingado, rapaz.
Voz da Graciele: Eu vou agredir mais, eu não fiz nada pra ti.
Voz do Bernardo: Tu me bateu.
Voz da Graciele: Tu não sabe do que eu sou capaz.
Voz da Graciele: Eu não tenho nada a perder, Bernardo. Tu não sabe do que eu sou capaz. Eu prefiro apodrecer na cadeia a viver nesta casa contigo me incomodando.
Graciele repete duas vezes: Tu não sabe do que eu sou capaz. (falando para Bernardo)
Voz do Bernardo: Queria que tu morresse.
Voz da Graciele: Tu não sabe do que eu sou capaz, vamos ver quem tem mais força.
Voz do Bernardo: Tu vai morrer.
Voz da Graciele: É, vamos ver quem vai para baixo da terra primeiro.
Bernardo retruca: Tu vai.
Voz da Graciele: Então, se tu tá dizendo.
Voz do Bernardo: (incompreensível...) Maria, vocês vão agredir ela.
Voz do Bernardo: Vão agredir ela depois...
Leandro defende Graciele e fala da mãe de Bernardo (morta em 2010) O menino se desespera antes mesmo do pai começar a falar.
Voz do Leandro: Bernardo, eu fico com pena de ti, cara, tua mãe te botou no mato e te abandonou…
Bernardo defende a mãe, chora e grita com pai.
Voz do Bernardo: E tu traiu a minha mãe.
Voz da Graciele: ela que andava com tudo que era homem, ela que era vagabunda, Bernardo.
O menino chora muito e defende a mãe.
Voz do Bernardo: Minha mãe não é vagabunda.
Voz da Graciele: Então vai perguntar para as pessoas da cidade o que tua mãe fazia.
Voz do Bernardo: Minha mãe não era (repete o menino)
Voz da Graciele: Então pergunta para as pessoas o que tua mãe fazia com teu pai.
Voz do Leandro: Eu sei que tua mãe é o máximo para ti, mas ela simplesmente te abandonou.
Voz do Bernardo: Ela não me abandonou, foi culpa tua, sim! (diz para o pai)
Voz da Graciele: Ela que pensou em matar teu pai.
Voz do Bernardo: Porque ele estava incomodando ela.
Voz do Leandro: Ela foi lá na vila com o cara, comprou uma 38 (...), foi no consultório. O que ia acontecer?
Voz do Bernardo: Tinha que ter te matado!
Voz do Leandro: O que ia sobrar de ti?
Voz do Bernardo: Tinha que ter te matado!
Voz do Leandro: O que eu tenho a ver, cara? (fala para o filho)
Voz do Leandro: Tenho de pagar com a vida por causa de gente à toa?
Voz do Leandro: Que não presta?
Bernardo gagueja, ofegante e cansado.
Voz do Bernardo: Tomara que tu morra! E essa 'coisa' morra junto. (Bernardo chama a madrasta de coisa)
Voz da Graciele: Tu vai ir antes, doente como tu tá deste jeito...
Voz da Graciele completa a frase: ...teu fim vai ser igual o da tua mãe.
Voz do Bernardo: Não!
Voz do Leandro sussurra: Quanta gente, eu salvo uns 4 ou 5 por dia, tiro as pessoas do caixão
Voz do Leandro: Elas aparecem uma semana depois caminhando lá no consultório, eu devo ter uma função nesse mundo
Voz do Bernardo: a de morrer!
Voz do Leandro: Deixa que eu morro a hora que Deus quiser.
Voz do Bernardo: Tu vai morrer.
Voz do Bernardo: Vou rezar para tu morrer.
Voz da Graciele: Então vai, ajoelha. (ela ri)
Voz do Leandro: Tu vai ficar uns 20 anos rezando e quanto mais tu rezar, pior vai ser porque mais eu vou durar.
Bernardo fala algo incompreensível e o pai pergunta o que ele falou.
Bernardo responde: Não te interessa
Voz do Leandro: É, 'Froinha', (...) se fosse macho falava
Bernardo sai do quarto e parece avistar algo na rua, volta e grita.
Voz do Bernardo: Polícia
Voz da Graciele: Vai lá então, desce lá
Voz do Bernardo: Não vou (Bernardo chora e demonstra medo)
Voz do Bernardo: Tu me agrediu. (repete várias vezes)
Graciele provoca quando vê que o menino recua.
Voz da Graciele: Vai lá, Bernardo
Voz da Graciele: Vai lá, cagão, cagão, desce lá, cagão! Cagou nas calças?
Voz do Bernardo: Vamos…apura (o menino convida a madrasta para descer)
Voz da Graciele: Vamos? Cagão, vai atrás do teu pai, vai (provoca)
Voz do Bernardo: Meu pai me agrediu…
Voz da Graciele: Então vai cagão…
Voz do Bernardo: Tu me bateu, tu me agrediu.
Voz do Leandro: É dose...a polícia chegar na minha casa no sábado à noite.
Voz da Graciele: Agora fica atrás do 'papai'.
Bernardo acredita que o pai desceu para ver a polícia e fica repetindo várias vezes o seguinte: conta que tu me bateu...
Passam alguns minutos
Voz do Leandro: É esse remédio aqui que tu vai tomar?
Voz do Bernardo: Tu vai me matar
Voz do Leandro: Quantos quilos tu tem? (pergunta para o filho)
Voz do Bernardo: Não sei
Voz da Graciele: Dá 60 gotas pra ele
Voz do Bernardo: Eu vou me matar… (fala baixinho)
Graciele ouve Bernardo falando que vai se matar e diz: Dá uma faca, Leandro.
Alguns minutos depois...
Voz do Leandro: Eu te disse que ia acontecer, ficou gravando até agora (mexendo no celular, fala para Graciele)
Entenda o Caso Bernardo
Bernando Uglione Boldrini, 11 anos, foi encontrado morto no dia 14 de abril, após dez dias desaparecido. O corpo do jovem estava em um matagal, enterrado dentro de um saco, na localidade de Linha São Francisco, em Frederico Westphalen. O menino morava com o pai, o médico-cirurgião Leandro Boldrini, a madrasta, Graciele Ugulini, e uma meia-irmã, de 1 ano, no município de Três Passos.
O pai, a madrasta e uma amiga dela, Edelvânia Wirganovicz, respondem na Justiça por homicídio quadruplamente qualificado (motivos torpe e fútil, emprego de veneno e recurso que dificultou a defesa da vítima) e ocultação de cadáver. O irmão de Edelvânia, Evandro, também responde por ocultação de cadáver. O pai de Bernardo ainda é acusado por falsidade ideológica.