
Era um apartamento no vigésimo segundo andar do Hotel Sheraton em Yokohama. Quem passava no corredor naqueles dias ouvia sempre conversas em português ou algum som de televisão com narrações. A porta permanentemente estava entreaberta. Naquele dia 16 de dezembro, véspera da decisão do título mundial de clubes, o tom era mais sério num diálogo em que uma voz forte falava muito mais do que a outra.
“Nós não podemos deixar eles fazerem a ligação. Eu vou marcar o Motta, mesmo que eu me anule, mas ele não pode jogar. Toda a bola deles sai pelo Mota. Vou até me esbagaçar, até quando aguentar”.
“O Ceará não vai deixar o ‘cara’ sozinho. Fica sempre em cima onde ele for”
“Nossa saída tem que ser veloz. Não podemos perder a posse de bola e deixar brecha. Quando botar na frente, vocês têm que definir. A zaga deles é lenta”
O quarto em questão, descobriu-se depois, era o de Abel Braga cuja voz se ouvia entre as orientações acima com algumas rápidas observações ou o definitivo : “É isso aí”. Sobre o tal "cara" citado como alvo de Ceará, viu-se depois, era Ronaldinho.
A voz forte daquele orientador era inconfundível: Fernandão. Outros participantes da conversa se mostravam mais calados, mas viu-se depois, eram os atacantes Iarley e Alexandre Pato.
Ali estava sendo consolidada a estratégia para o enfrentamento do Internacional com o Barcelona. Pouco mais de 24 horas depois, tudo aquilo havia sido feito exatamente como projetado e o resultado era o título mundial conquistado. A voz enérgica da palestra no hotel não se intimidou a ser humilde durante o jogo para pedir a substituição por falta de forças. Havia cumprido todas suas funções. Caberia ao seu substituto fazer aquilo que não havia sido determinado no encontro do dia anterior: o gol.
Este foi Fernandão, alguém que já se apresentou como diferente e predestinado ao chegar a Porto Alegre e na sua estreia marcar o histórico gol mil da história dos Gre-Nais. Certas coisas não acontecem por acaso. Também não foi por mera coincidência que ele se fez dono do microfone no Beira-Rio na hora de gritar como um torcedor alucinado os cânticos que comemoravam a volta dos campeões mundiais. Tinha autoridade e merecimento para tal.
O ídolo já estava na história, mas saiu da vida muito cedo.
RELEMBRA: ouça conversa de Fernandão com o jogadores antes da partida contra o Barcelona no Japão: