A ponto de se completarem 100 dias do retorno de Donald Trump ao poder, o salvadorenho Kilmar Ábrego García é um pesadelo para o governo dos Estados Unidos, incapaz de virar a página diante da insistência de juízes e democratas em defender seu direito a um julgamento.
No caso deste imigrante em situação irregular deportado para El Salvador, há dois lados bem distintos.
De um lado, Trump e sua equipe repetem diariamente que ele não é o pai de família que a imprensa pinta, mas sim um homem perigoso.
"Não é um tipo muito inocente", mas sim "um imigrante ilegal, membro da gangue MS-13 e terrorista estrangeiro", declarou nesta sexta-feira (18) o magnata republicano, lendo um documento de seu gabinete.
"Isto vem do Departamento de Estado e de fontes muito legítimas (...) se supõe que seja algo certificado", disse.
Trump acrescentou que, quando foi preso, o salvadorenho "vestia um moletom com maços de dinheiro", considerado um símbolo da MS-13, e estava acompanhado de "dois dos membros mais violentos que conhecemos" dessa "gangue de brutamontes".
Segundo o presidente, em 2022 ele foi detido transportando sete pessoas do Texas para Maryland, perto de Washington, sem carteira de motorista, e em 2020 e 2021 sua esposa norte-americana "solicitou uma ordem de proteção contra ele e disse que era violento, abusivo e realmente assustador".
- O outro lado -
A história tem outro lado, defendido pelos tribunais dos Estados Unidos e pela oposição como o único verdadeiro.
Os juízes, inclusive a Suprema Corte de maioria conservadora, pedem à administração Trump que "facilite" o retorno de Ábrego García depois que o governo reconheceu que ele foi expulso por um "erro administrativo".
E é que, em 2019, um tribunal revogou permanentemente a possibilidade de expulsá-lo para El Salvador.
O último juiz a se pronunciar em um tribunal de apelações considerou "chocante" na quinta-feira a posição do governo de se recusar a trazer de volta o salvadorenho e deixá-lo em "um limbo interminável sem recurso à justiça".
Os democratas, em dificuldades para fazer frente ao incansável republicano, que governa por decreto, se uniram em torno do imigrante salvadorenho e deram um passo à frente.
O senador Chris Van Hollen viajou ao país centro-americano, onde conseguiu se reunir com Ábrego García, detido em uma prisão de segurança máxima conhecida como Cecot.
A reunião foi realizada no restaurante de um hotel, em uma cena que contrasta com os vídeos divulgados pelo governo do presidente Nayib Bukele de supostos membros de gangues obrigados a correr encurvados até as vans que os aguardam para levá-los ao Cecot e amontoá-los em celas.
Bukele, criticado por se recusar a enviar de volta o imigrante, ironizou ao compartilhar fotos do encontro em sua conta na rede social X.
"Kilmar Ábrego García, milagrosamente ressuscitado dos 'campos de extermínio' e da 'tortura', agora tomando margaritas com o senador Van Hollen no paraíso tropical de El Salvador!", escreveu.
- "Fanfarrão" -
Bukele acrescentou que "agora que sua saúde foi confirmada, cabe-lhe a honra de permanecer sob custódia de El Salvador".
Em sua plataforma Truth Social, Trump chamou o senador democrata de "idiota" e "fanfarrão".
"É um impostor", acrescentou na Casa Branca.
Van Hollen e outros congressistas democratas tentam se mobilizar diante das críticas de parte do eleitorado progressista. Considerados tímidos demais para o gosto de alguns eleitores horrorizados com certas políticas de Trump, como a demissão em massa de funcionários e uma ofensiva tarifária que, segundo especialistas, fará os preços subirem.
Os democratas concordam com a justiça que Ábrego García deve retornar aos Estados Unidos para se submeter a um devido processo legal. Invocam a Constituição.
"Este é o homem que os democratas querem que tragamos de volta de El Salvador para ser um membro felizmente instalado da família dos Estados Unidos. Não é uma vergonha?", protestou Trump nesta sexta-feira.
Em coletiva de imprensa na quinta-feira em El Salvador, Van Hollen foi enfático: "Ele foi sequestrado ilegalmente e enviado ao Cecot".
* AFP