A notícia de um acordo para um cessar-fogo gerou júbilo em Gaza, mas, nesta quinta-feira (16), os habitantes desse território palestino devastado despertaram para constatar os estragos dos contínuos bombardeios israelenses: colunas de fumaça sobre os locais atingidos, escombros e cadáveres envoltos em mortalhas.
"Esperávamos a trégua. Foi a noite mais alegre desde o ataque de 7 de outubro de 2023", disse Said Alush, que perdeu familiares durante a noite em um bombardeio na cidade de Jabaliya, no norte da Faixa de Gaza.
"De repente, soubemos que 40 pessoas haviam morrido", contou. Seu tio foi uma das vítimas. "A alegria de todo o bairro se transformou em tristeza, como se tivesse ocorrido um terremoto."
O porta-voz da Defesa Civil, Mahmoud Basal, informou que pelo menos 73 pessoas morreram em bombardeios israelenses desde o anúncio do acordo para um cessar-fogo. Entre os mortos, estavam 20 crianças e 25 mulheres. Além disso, mais de 200 pessoas ficaram feridas.
Ao amanhecer, os habitantes da região avaliavam os estragos e removiam escombros de um edifício em ruínas, do qual restava apenas um emaranhado de pedaços de concreto, barras de reforço e pertences pessoais espalhados.
Esse cenário, com prédios de fachadas destruídas e quartos tomados por uma espessa poeira cinza, tornou-se tristemente comum em todo o território palestino sitiado desde o início da guerra, em outubro de 2023, que também forçou a maioria dos 2,4 milhões de habitantes da Faixa de Gaza a se deslocarem pelo menos uma vez.
No hospital Naser, em Khan Yunis, o principal centro médico do sul de Gaza, jornalistas da AFP viram vestígios de sangue nas macas metálicas do necrotério, que a equipe limpava apressadamente.
Em outro ponto do território, na Cidade de Gaza, o hospital Al Ahli recebeu dezenas de corpos durante a noite, enrolados em cobertores dos quais, às vezes, despontavam os pés descalços de alguma criança.
Antes de ser enterrada, uma mulher acariciava a cabeça de uma vítima já envolta em mortalha, totalmente absorta em meio ao vai e vem de ambulâncias. Ao lado dela, um homem rezava em voz baixa, com a mão sobre o peito do falecido.
"Depois que anunciaram o cessar-fogo, as pessoas estavam contentes, alegres, mas atacaram um prédio de cinco andares, com mais de 50 pessoas dentro", relatou Ibrahim Abu al Rish, motorista de ambulância da Defesa Civil.
Com as lanternas dos celulares acesas, socorristas e moradores vasculharam os escombros até altas horas da noite, em meio à escuridão total devido à falta de eletricidade, um problema que persiste há meses.
"Os bombardeios continuam, atingindo uma casa após a outra", afirmou Al Rish.
- "Noite muito sangrenta" -
Mahmoud al Qarnawi, morador do campo de refugiados de Al Bureij, no centro do território, acredita que o cessar-fogo não será implementado totalmente de imediato, deixando os habitantes em posição vulnerável.
"Os tiros não pararam, os aviões ainda estão no céu, e a situação é difícil", afirmou.
Na cidade vizinha de Nuseirat, Motaz Bakir também demonstrou preocupação: "Precisamos ser cautelosos. Durante os próximos três dias, tememos um banho de sangue ainda pior que antes."
O governo israelense ainda precisa ratificar o acordo, anunciado pelo Catar e pelos Estados Unidos e que, em princípio, entrará em vigor no domingo.
Por enquanto, ninguém pode se sentir seguro em Gaza, alerta a organização Médicos Sem Fronteiras (MSF).
"Ontem à noite, houve muita alegria por 20 minutos e, depois, foi uma noite muito sangrenta", disse por telefone à AFP Amande Bazerolle, coordenadora de emergências da MSF na Faixa de Gaza. Enquanto falava, era possível ouvir tiros de obuses ao fundo.
Após mais de 15 meses de uma guerra devastadora, o acordo anunciado na quarta-feira prevê a libertação de 33 reféns israelenses em troca de mil prisioneiros palestinos, durante uma primeira fase a partir de domingo. Além disso, nesta etapa, também deve haver um aumento na ajuda humanitária.
A guerra foi desencadeada pelo ataque do Hamas a Israel em 7 de outubro de 2023, que causou a morte de 1.210 pessoas em Israel, a maioria civis, segundo um levantamento baseado em dados oficiais.
Das 251 pessoas sequestradas naquele dia, 94 continuam retidas em Gaza, das quais 34 teriam morrido, segundo o Exército israelense.
Em resposta ao ataque, Israel lançou uma campanha de represália que já matou pelo menos 46.788 pessoas na Faixa de Gaza, a maioria civis, de acordo com dados do Ministério da Saúde do governo do Hamas, que a ONU considera confiáveis.
* AFP