A ofensiva que culminou na queda de Bashar al-Assad revelou um lado sombrio do regime sírio: a produção em massa de captagon. Conhecida como "cocaína dos pobres", a droga sintetizada a partir de anfetamina sustentou economicamente o regime durante anos de isolamento internacional e guerra civil.
Após a tomada de Damasco por rebeldes da coalizão islamista Hayat Tahrir al-Sham (HTS), combatentes se depararam com toneladas de comprimidos escondidos em hangares, pedreiras e quartéis.
Em uma das inspeções, Abu Malek al-Shami, integrante do HTS, relatou, inclusive, a descoberta de uma fábrica pertencente a Maher al-Assad, irmão do ex-presidente, e seu sócio, o deputado Amer Jiti.
Qual a conexão do regime com o captagon?
Maher al-Assad, comandante da elite Quarta Divisão do exército sírio, é apontado como um dos líderes do cartel que movimenta uma economia de cerca de US$ 1 bilhão por ano, superando todas as exportações legais do país. Já Amer Jiti enfrenta sanções internacionais por facilitar o tráfico da droga.
Relatórios revelam que o captagon era exportado de forma disfarçada, muitas vezes escondido em bobinas de cobre ou embalagens de soda cáustica.
Em um galpão perto de Damasco, por exemplo, combatentes encontraram máquinas ainda operacionais, prontas para produzir novos lotes da droga.
O que é captagon?
A droga foi desenvolvida originalmente na década de 1960 para tratar narcolepsia e déficit de atenção. Porém, a fenetilina, princípio ativo do captagon, foi banida por seus efeitos colaterais, como psicose e dependência.
Contudo, versões ilícitas da substância tornaram-se populares no Oriente Médio, especialmente em festas e como estimulante em combates.
A droga age como um "estimulante químico", aumentando a atenção e reduzindo o apetite, o que a torna atrativa tanto para a elite quanto para trabalhadores de classe baixa em países do Golfo, onde o consumo de álcool é restrito.
Na Arábia Saudita, o captagon é amplamente utilizado, sendo o maior mercado consumidor do produto.
Síria como narcoestado
Durante os anos de guerra civil, a produção de captagon se consolidou como a principal fonte de renda do regime Assad, que usava o comércio ilícito tanto como recurso financeiro quanto como ferramenta de pressão diplomática.
Em 2023, a reintegração da Síria à Liga Árabe foi atribuída, em parte, à influência que a droga exercia sobre países do Golfo.
O governo deposto negava envolvimento direto, mas investigações revelaram como a infraestrutura do Estado era usada para produção e tráfico, com apoio de aliados como o Hezbollah.
Com a promessa de erradicar o captagon, o HTS iniciou a destruição de laboratórios e estoques. O comandante do grupo, Mohammad al-Jolani, garantiu que a Síria pós-Assad será purificada "pela graça de Deus".