O tribunal especial para julgar os crimes do Khmer Vermelho no Camboja confirmou nesta quinta-feira (22) a pena de prisão perpétua por genocídio contra o ex-presidente do regime, Khieu Samphan, na última decisão antes da dissolução desta instância respaldada pela ONU.
O tribunal determinou que o ex-governante de 91 anos também é culpado por vários crimes contra a humanidade, incluindo assassinatos, escravidão, casamentos forçados e estupros, por seu papel neste regime comunista.
Esta foi a última decisão do tribunal, que custou mais de 330 milhões de dólares e processou apenas cinco líderes do Khmer Vermelho - dois deles morreram antes do julgamento.
"A câmara da Suprema Corte não vê mérito nos argumentos de Khieu Samphan sobre o genocídio e os rejeita", anunciou o juiz Kong Srim na longa sentença.
O ex-presidente do Estado da Kampuchea Democrática, atual Camboja, "tinha conhecimento direto dos crimes e compartilhava a intenção de cometê-los com os outros participantes do empreendimento criminoso comum", acrescentou o juiz.
As acusações contra ele estão associadas a "alguns dos atos mais odiosos" da ditadura ultramaoista, acusada de matar quase dois milhões de pessoas entre 1975 e 1979 por meio da fome, tortura, trabalhos forçados e execuções em larga escala.
Khieu Samphan, o último líder sobrevivente do Khmer Vermelho com vida, compareceu ao julgamento em cadeira de rodas e ouviu a sentença de duas horas e meia com fones de ouvido.
O ex-presidente do regime, que era comandado na prática por Pol Pot, havia apresentado recurso contra a penas de prisão perpétua anunciada em 2018 por este tribunal misto dedicado a examinar o genocídio no Camboja.
Ele também já havia sido condenado à prisão perpétua em 2014, uma sentença ratificada no julgamento da apelação em 2016, por crimes contra a humanidade pela retirada forçada de moradores de Phnom Penh.
Mais de 500 pessoas, incluindo parentes de vítimas, monges budistas e diplomatas, acompanharam a audiência para um "dia histórico", segundo o porta-voz do tribunal, Neth Pheaktra.
Chum Mey, de 91 anos, um dos poucos sobreviventes do centro de tortura S-21, celebrou o veredicto.
"Estou feliz, a sentença é razoável, justiça foi feita", declarou o idoso, que passou pela temida prisão de Phnom Penh onde morreram 18.000 pessoas.
Lim Ching, que perdeu mais de 20 parentes no regime do Khmer Vermelho, incluindo a mãe, declarou à AFP que "a sentença é correta, o regime de Pol Pot fez coisas muito ruins e matou muitas pessoas".
- Regime brutal -
O tribunal para o genocídio cambojano, uma corte híbrida apoiada pela ONU, será dissolvida em um prazo de três anos, após a conclusão dos trabalhos de arquivamento.
O líder do regime, Pol Pot, conhecido como "Irmão Número Um", nunca enfrentou a justiça porque morreu em 1998, antes da criação do tribunal.
A condenação por genocídio do ex-presidente diz respeito à perseguição da minoria étnica vietnamita, que o Khmer Vermelho considerava um perigoso inimigo.
Khieu Samphan permaneceu curvado em sua cadeira de rodas enquanto ouvia atentamente a sentença.
Ao lado de Khieu Samphan foi condenado em 2018 o "Irmão Número Dois", Nuon Chea, que recebeu pena de prisão perpétua por genocídio e outros crimes, incluindo casamentos forçados e estupros.
Nuon Chea morreu em 2019.
A outra pessoa condenada pelo tribunal especial foi Kaing Guek Eav, conhecido como Duch, comandante do centro de tortura S-21. Duch faleceu em 2020.
Apesar das poucas condenações do tribunal, especialistas consideram que a corte fez um trabalho importante para promover a reconciliação nacional.
O vice-primeiro-ministro do Camboja, Bin Chhin, afirmou à imprensa depois da decisão que o tribunal foi "reconhecido internacionalmente como um modelo" para outros países que buscam processar casos após guerras ou conflitos internos.
Fergal Gaynor, um dos promotores, admitiu que nenhum tribunal pode fazer justiça plena para horrores "tão imensuravelmente vastos", mas que a corte contribuiu para a luta contra a impunidade por atrocidades em massa.
* AFP