O Camboja encerrou nesta quinta-feira (22) o capítulo mais sangrento de sua história: um tribunal especial apoiado pela ONU confirmou a pena de prisão perpétua por genocídio contra Khieu Samphan, último líder vivo do Khmer Vermelho.
- Quem é o Khmer Vermelho? -
O movimento revolucionário do Khmer Vermelho toma o poder em 17 de abril de 1975 após um conflito iniciado em 1967 contra o governo pró-EUA de Lon Nol.
O homem forte da organização, Pol Pot, propõe-se a construir uma utopia marxista no Camboja, que ele rebatizou de "Kampuchea Democrática".
Abole a religião, as escolas, o dinheiro e esvazia as cidades em favor das fazendas coletivas no campo. Paranoico, o regime realiza inúmeras expulsões, citando supostos "complôs" como justificativa.
Cerca de dois milhões de pessoas - quase 25% da população - morrem de exaustão, fome, doença, tortura, ou execução.
O Khmer Vermelho foi derrubado em 7 de janeiro de 1979 pelo Vietnã, aliado a um movimento de desertores, incluindo o atual primeiro-ministro Hun Sen.
- Quem são os líderes condenados? -
Após anos de negociações complexas, o Camboja e a ONU assinaram um acordo em 2003 para criar as Câmaras Extraordinárias dos Tribunais do Camboja.
É um tribunal híbrido composto por juízes cambojanos e internacionais que tem jurisdição somente sobre os líderes do regime deposto. A pena de morte está descartada, bem como compensações financeiras para as vítimas.
Criado em 2006, o tribunal custou mais de US$ 300 milhões e condenou apenas três pessoas.
Kaing Guek Eav, conhecido como "Douch", diretor da prisão Tuol Sleng (S21) de Phnom Penh, onde cerca de 15.000 pessoas foram torturadas antes de serem executadas, foi condenado à prisão perpétua em 2012 por "crimes de guerra" e "crimes contra a humanidade". Ele morreu em setembro de 2020, aos 77 anos.
Nuon Chea, o ideólogo do regime, e Khieu Samphan, chefe de Estado do Khmer Vermelho, também foram condenados à prisão perpétua por "crimes contra a humanidade" em 2016, e genocídio, em 2018, em dois julgamentos separados. Nuon Chea morreu em 2019, aos 93 anos.
A condenação do segundo por genocídio contra os vietnamitas foi confirmada nesta quinta-feira no julgamento da apelação.
Duas outras pessoas enfrentaram o tribunal sem serem condenadas. O ministro das Relações Exteriores do regime, Ieng Sary, morreu durante seu julgamento em 2013, enquanto sua esposa, Ieng Thirit, ministra de Assuntos Sociais, foi declarada incapaz de ser julgada por insanidade e foi libertada. Ela também faleceu.
Vários outros líderes escaparam da Justiça. Pol Pot, o "irmão número um", que morreu em 1998, nunca foi julgado, assim como Ta Mok, o temido comandante do sudoeste do Camboja, que morreu em 2006.
Milhares de dirigentes e combatentes de baixo escalão não serão mais responsabilizados, pois o mandato do tribunal é limitado aos funcionários mais altos.
- Qual o papel de Hun Sen com o Khmer Vermelho?
No poder há mais de 30 anos, o primeiro-ministro do Camboja, Hun Sen, é um ex-combatente do Khmer Vermelho.
Aos 25 anos, liderou um regimento antes de fugir para o Vietnã, em 1977, para escapar de um dos expurgos internos.
Os livros de História cambojanos destacam seu retorno ao país, em 1979, ao lado das forças vietnamitas que derrubaram Pol Pot do poder.
Tentativas de esclarecer seu papel na ditadura foram rejeitadas pelo atual governo, que inclui outros ex-Khmer Vermelhos.
Ele se manifestou contra qualquer outro processo, afirmando que mergulharia o país na instabilidade.
Os críticos atacaram Hun Sen, acusando-o de interferir no funcionamento da Justiça, que também é atormentada por controvérsias e conflitos.
* AFP