Um tribunal da junta militar de Mianmar condenou nesta quarta-feira (27) a líder civil Aung San Suu Kyi a mais cinco anos de prisão, uma nova sentença, desta vez pela acusação de corrupção, um dos vários processos que podem deixá-la na cadeia por várias décadas.
A vencedora do Nobel da Paz de 1991, de 76 anos, já havia sido condenada a seis anos de prisão pelas acusações de incitação contra os militares, violação das regras contra covid-19 e desrespeito a uma lei de telecomunicações, mas permanecerá em prisão domiciliar enquanto enfrenta outros processos.
No caso que teve o veredicto anunciado nesta quarta-feira, Aung San Suu Kyi foi acusada de aceitar suborno de 600.000 dólares e lingotes de ouro.
Depois de vários dias de atraso, um tribunal especial da capital construída pela ditadura militar, Naipyidaw, divulgou o veredicto e a sentença na manhã desta quarta-feira.
"A respeito da acusação de aceitar ouro e dólares de U Phyo Min Thein, a corte a sentencia a cinco anos de prisão", afirmou à AFP o porta-voz da junta, Zaw Min Tun. "Ela permanecerá em prisão domiciliar", acrescentou.
De acordo com a imprensa local, Suu Kyi vai apelar contra a sentença, fortemente criticada pela comunidade internacional.
A União Europeia afirmou que o julgamento estava "motivado politicamente" e representava "outro grande retrocesso para a democracia em Mianmar", enquanto a ONU solicitou a libertação de "todos os presos políticos".
O Comitê de Relações Exteriores do Senado americano criticou a "perseguição descarada dos líderes democráticos de Mianmar".
Os jornalistas não tiveram acesso aos julgamentos contra a líder civil birmanesa e seus advogados estão proibidos de dar entrevistas.
Suu Kyi ainda é alvo e uma ampla série de acusações, que incluem violação da lei de sigilo, corrupção e fraude eleitoral, entre outras, que podem acarretar em uma pena global de mais de 100 anos de prisão.
Em março, ela não compareceu a três dias de audiências por ter permanecido em quarentena depois de um contágio de covid-19 entre seus funcionários.
Durante um governo militar anterior, Suu Kyi passou longos períodos em prisão domiciliar na residência de sua família em Yangon, a maior cidade birmanesa.
Atualmente ela está detida em um local não revelado da capital. Os contatos com o exterior se limitam a breves encontros com os advogados antes dos julgamentos.
- Milícias civis -
O golpe de fevereiro de 2021 gerou protestos e revolta em todo o país, que os militares reprimiram com violência.
Desde o golpe, mais de 1.700 pessoas morreram e mais de 13.000 foram detidas na repressão contra os dissidentes, segundo uma ONG local que monitora a situação.
Suu Kyi foi o rosto das esperanças democráticas de Mianmar durante mais de 30 anos, mas sua imagem foi muito abalada por sua incapacidade de defender a minoria muçulmana dos rohingyas, duramente reprimida.
As condenações a impediriam de disputar as eleições que a junta afirma que organizará em 2023.
O analista David Mathieson, do Independent Myanmar, disse que a junta utiliza os julgamentos criminais para tornar Suu Kyi "politicamente irrelevante".
"Esta é outra tentativa frágil de consolidar o golpe. Tem motivações políticas", declarou à AFP.
Levando em consideração sua idade, "é possível que termine a vida na prisão", disse Phil Robertson, diretor adjunto do departamento para a Ásia da ONG Human Rights Watch. "Destruir a democracia birmanesa significa, em primeiro lugar, se livrar dela, a junta não deixará nada ao acaso".
Muitos aliados políticos de Suu Kyi também foram detidos desde o golpe, incluindo um chefe de gabinete condenado a 75 anos de prisão, enquanto outros permanecem escondidos.
Ao longo do país foram criadas várias "Forças de Defesa Popular" (FDP), milícias civiles que tentam lutar contra a junta.
Analistas destacam que o exército birmanês, fortemente armado e bem treinado, foi surpreendido pela efetividade das milícias civis e luta em algumas regiões para tentar contê-las.
A situação turbulenta em Mianmar desde o golpe afastou os investidores estrangeiros, que chegaram ao país no início do período democrático, em 2011.
Gigantes do setor de energia como TotalEnergies e Chevron, assim como a British American Tobacco e a japonesa Kirin (do setor de cervejas), anunciaram planos de saída do país.
* AFP