O Parlamento da Nicarágua, que é controlado pelo governo, tornou ilegais nesta quinta-feira (17) 25 ONGs, muitas delas críticas ao governo de Daniel Ortega, mas também uma organização humanitária que realiza cirurgias gratuitas para crianças com lábio leporino.
O fechamento dessas ONGs foi aprovado com o voto de 74 dos 91 deputados da Assembleia Nacional (AN), onde a Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN) de Ortega tem maioria, informou o presidente do Legislativo, Gustavo Porras.
De acordo com um relatório apresentado pelo Ministério de Governança, as ONGs afetadas com a medida "não reportaram seus estados financeiros conforme a lei contra a lavagem de ativos e financiamento ao terrorismo".
Para o governo, muitas dessas entidades são utilizadas para o financiamento externo de planos para desestabilizar Ortega, um ex-guerrilheiro que está no poder desde 2007 e foi reeleito para o quarto mandato consecutivo no ano passado em eleições contestadas.
As organizações tampouco "promoveram uma política de transparência na execução dos recursos", argumentou o ministério, que é responsável por supervisionar essas entidades.
Entre as ONGs que perderam sua personalidade jurídica estão centros que defendiam os direitos humanos, a liberdade de imprensa, o cuidado do meio ambiente e os direitos das mulheres.
Algumas delas já estavam inativas, entre elas a Fundação Violeta Barrios de Chamorro (FVBCH), criada em 1997 para promover a liberdade de imprensa, e que foi fechada em fevereiro de 2021.
A FVBCH levava o nome da ex-presidente Violeta Barrios de Chamorro (1990-1997) e era dirigida por sua filha, a opositora e ex-candidata à presidência Cristiana Chamorro, que atualmente está em prisão domiciliar e foi recentemente declarada culpada de lavagem de ativos durante sua gestão.
Chamorro, uma dos mais de 40 opositores detidos no ano passado antes das eleições de novembro, rejeita as acusações e assegura que o objetivo do governo era tirá-la da disputa eleitoral porque sua candidatura ameaçava a permanência de Ortega.
Também foram fechados o Centro Humboldt, que denunciou vários casos de poluição ambiental e desmatamento; a Associação de Jornalistas da Nicarágua (APN, na sigla em espanhol), que aglutinava jornalistas críticos do governo; e até mesmo a humanitária Operação Sorriso.
- Desamparo -
O deputado do partido indígena Yatama (mãe terra, em língua miskita), Broklyn Rivera, se disse "surpreso" com o cancelamento da pessoa jurídica a estas entidades da sociedade civil e considerou que "deixa desamparados" setores vulneráveis da população que eram beneficiários de seus serviços.
Johana Aguilar, mãe de uma menina operada de lábio leporino por meio da Operação Sorriso, declarou sua incerteza sobre a continuação do tratamento da filha.
"Nós não temos dinheiro para comprar os aparelhos que eles dão gratuitamente, nem para pagar um dentista", disse Aguilar à AFP.
Com o fechamento desta ONG, "muitos pais vamos ter que buscar outros meios para dar seguimento à terapia e atenção das crianças" atendidas pela Operação Sorriso, disse Angéliza Lezama, outra mãe de um menino operado.
- Prestação de contas -
"No fundo há sinais claros de que estão passando a conta a estes organismos porque em algum momento criticaram a direção do governo e apoiaram o levante popular de 2018", disse o legislador Rivera.
Ele mencionou o caso do Centro Humboldt, que por anos trabalhou com comunidades indígenas do departamento (estado) de Jinotega (norte) em temas ambientais e defesa de seus recursos naturais, com posição crítica à ação governamental nestes territórios.
Cerca de 140 ONGs e instituições foram tornadas ilegais até a data de hoje desde 2018, quando explodiram os protestos antigovernamentais, cuja repressão deixou ao menos 355 mortos, segundo grupos humanitários.
Além das ONGs, também se destacam as proibições de cerca de 20 universidades privadas, como a Universidade Politécnica da Nicarágua (UPOLI), que foi símbolo dos protestos estudantis antigovernamentais de 2018.
* AFP