O governo do socialista Daniel Ortega expulsou da Nicarágua o delegado residente do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV), Thomas Ess, cuja entidade humanitária permitia a familiares tomar conhecimento da situação de saúde de dezenas de opositores presos.
"O Comitê Internacional da Cruz Vermelha confirma que recebeu uma carta na qual o governo da Nicarágua notifica que decidiu retirar o beneplácito de nosso chefe de missão" no país, disse María Cristina Rivera, coordenadora de comunicações da Cruz Vermelha para o México e a América Central.
A retirada do beneplácito implica a saída do país do funcionário, que já deixou a Nicarágua.
"Não sabemos as razões desta decisão que nos pegou de surpresa. Apesar dessa situação, o CICV ratifica seu compromisso de continuar seu trabalho humanitário na Nicarágua, apegada a seus princípios de neutralidade, imparcialidade e independência", explicou Rivera.
- Primeiro o núncio -
A expulsão do delegado do CICV acontece dias depois de uma decisão semelhante tomada contra o representante do Vaticano em Manágua, Waldemar Stanislaw Sommertag, classificada pela Santa Sé como "grave". O presidente da Conferência Episcopal da Nicarágua, bispo Carlos Herrera, disse nesse momento que as relações entre Sommertag e o governo Ortega não eram boas.
Também esta semana, o representante permanente da Nicarágua na OEA, Arturo McFields, descreveu o governo de Ortega como uma "ditadura" e denunciou as más condições carcerárias em que se encontram vários "presos políticos" no país. Familiares de alguns desses presos denunciaram recentemente que o governo negou a entrada na prisão da Cruz Vermelha para verificar seu estado de saúde.
A Associação de Familiares de Presos Políticos condenou a expulsão de Ess e valorizou o apoio da instituição que ele liderou, que "teve um papel importante" para os presos e seus familiares, "coordenando para verificar a situação sanitária dentro das prisões". A ONG destacou que, dada a falta de informação das autoridades sobre seus parentes detidos, era por meio do por meio do CICV que eles recebiam "notícias específicas" sobre suas necessidades médicas.
Para a presidente do independente Centro Nicaraguense de Direitos Humanos (Cenidh), Vilma Núñez, a medida do governo contra o delegado do CICV é preocupante. Um dos detidos, o ex-guerrilheiro Hugo Torres, morreu no hospital após passar meses na prisão. "Esperamos que o CICV supere essa situação, reponha deu funcionário e siga suas funções de vigilância, transmitindo ao governo situações graves dentro da prisão", disse Vilma.
Para Juan Pappier, pesquisador para as Américas da ONG Human Rights Watch, a expulsão do representante da Cruz Vermelha é "uma demonstração irrefutável de que o regime tem tolerância zero com qualquer escrutínio internacional em matéria de direitos humanos".
"O CICV sempre trabalhou conosco muito de perto, fazendo todas as tentativas possíveis de atender aos nossos chamados sobre a saúde dos nossos familiares presos", disse à AFP Olama Hurtado, sobrinha do ex-candidato presidencial Juan Sebastián Chamorro, condenado a 13 anos de prisão.
O ex-guerrilheiro Daniel Ortega, 76, no poder desde 2007, acusa seus opositores de quererem derrubá-lo com o apoio de Washington. Para a comunidade internacional, a prisão de seus críticos respondeu a uma manobra para ele se perpetrar no poder.
O CICV é uma organização humanitária neutra e chegou à Nicarágua em 2018. Na época, constatou a situação dos centenas de detidos após protestos contra o governo de Ortega, em meio a uma crise política que ainda persiste.
Após uma negociação da qual participaram Sommertag e a OEA, em 2019 foi concedida uma anistia e dezenas deles foram libertados. O CICV acompanhou o processo.
* AFP