Por André Luís Woloszyn
Analista de assuntos estratégicos, autor, entre outros, de “Guerra nas Sombras” (Contexto, 2013)
Desde que o último comboio de tropas de coalizão, lideradas pelos Estados Unidos, retiraram-se do Iraque em dezembro de 2011, após a derrubada do regime de Saddam Hussein, o grupo terrorista denominado, Islamic State of Iraq and Syria (Isis), conhecido no Ocidente como Estado Islâmico (EI), reinou absoluto usando de extrema violência. Parte disso se deveu ao vácuo de poder estabelecido pelo final da guerra, quando o governo foi fragmentado em várias siglas políticas formadas por xiitas, sunitas e curdos, a maioria, lideranças religiosas e tribais.
Grandes recursos financeiros, provenientes de extorsão, cobrança de impostos, venda de escravos, pilhagem de antiguidades e comercialização de petróleo e gás nos campos ocupados possibilitou ao grupo contratar ex-militares da extinta Guarda Revolucionária e das forças armadas iraquianas, dissolvidas após o conflito, muitos desses formados em escolas militares americanas, transformando-se em um verdadeiro exército terrorista de alto profissionalismo.
Diferentemente da rede Al-Qaeda, suas estratégias mostraram-se mais abrangentes, houve maior coordenação nos ataques, um sistema hierarquizado e novas táticas foram implementadas, entre essas as dos terroristas autóctones, simpatizantes que, por meio de um forte apelo emocional proporcionado pela massiva propaganda de recrutamento nas redes sociais, foram cooptados a lutar pela ideologia extremista como cavaleiros da liberdade.
Paulatinamente, a conquista de zonas do Iraque como as cidades de Mossul e Fallujah, anteriormente ocupadas pelos EUA, e a invasão do território Sírio na busca pela implantação de um Califado na região, realizaram inúmeros ataques de grande repercussão na Europa, tendo seu apogeu entre 2015 e 2018, com os atentados à revista Charlie Hedbo, a casas noturnas de Paris, com destaque para a Bataclan, e ao aeroporto de Bruxelas. Ataques esses, somados aos atropelamentos coletivos em Berlim, Barcelona, Estocolmo e Londres, vitimaram muitas pessoas, acarretando um sentimento de insegurança permanente e chocando a opinião pública internacional. Até o Brasil chegou a ser ameaçado de ataque durante as Olimpíadas de 2016.
Tais atentados foram parte de uma estratégia desesperada para manter viva a ideologia, uma vez que, a partir de 2016, o EI entrou em declínio financeiro, já não podendo manter sob controle as áreas ocupadas no leste da Síria e no norte e oeste do Iraque. Em 2019, foi derrotado na Síria, e seu proclamado Califado de 2015, inviabilizado.
Com esse retrospecto, a morte de seu líder supremo, Abu Bakr al-Baghdadi, junto a outras importantes lideranças, sepulta paradigmas que mostraram-se ineficazes, o que traz implicações à comunidade internacional.
A opinião majoritária é de que pode ter sido desferido o golpe fatal em um grupo que já se encontrava à beira do colapso e pode significar o encerramento de um ciclo de terror em atividade há quase uma década e, definitivamente, o fim das grandes operações de insurgência como a que vimos no Iraque e na Síria.
Ademais, dificilmente o EI deverá se recuperar. A tendência é de enfraquecer e se fragmentar pelas disputas internas de sucessão, o que não significa o fim do terrorismo internacional de cunho extremista islâmico, uma vez que, diante de circunstâncias similares, é consenso entre especialistas, surgiram novas e mais fortes facções – o fenômeno ocorreu com a rede Al Al-Qaeda de Osama Bin Laden.
A boa notícia é que atentados de grande magnitude como os que ocorreram no passado, especialmente no ambiente urbano, possuem baixa probabilidade de se repetir, ao menos por enquanto. Poderemos, assim, viver um período de tranquilidade pública. Parte disso deve-se ao desenvolvimento e aperfeiçoamento dos sistemas e tecnologias digitais de segurança, monitoramento de suspeitos e compartilhamento de dados e informações entre agências de inteligência, o que possibilitou maior segurança do que no passado recente, mas, também, pelo tempo necessário para a formação de novas lideranças com experiência suficiente para manterem acessa a chama extremista na mente de seus militantes.
A má notícia é que poderemos estar entrando em uma nova era do terrorismo, não necessariamente bem-sucedido, mas com táticas ainda desconhecidas que teremos de apreender antes que o ciclo de violência seja restabelecido. Como previa Thomas Jefferson, o preço da liberdade é a eterna vigilância. Uma importante batalha foi ganha, mas vencer a guerra ainda é uma incógnita.