Quando o alarme soou na catedral Notre-Dame, no centro de Paris, pouco depois das 18h30min (13h30min no Brasil) desta segunda-feira (15), o porta-voz da igreja, André Finot, intuiu logo: o colosso gótico cuja construção consumira mais de 180 anos ardia em fogo.
Segundo o responsável pela comunicação da catedral, que recebe 12 milhões de visitantes por ano - é o monumento histórico mais frequentado da Europa -, cerca de 1,5 mil pessoas assistiam a uma missa recém-iniciada quando uma fumaça cinza e alaranjada começou a se desprender das vigas de sustentação do edifício. A multidão foi conduzida para fora sem incidentes.
Ainda não se sabe o que causou as chamas. Inicialmente, segundo o jornal francês Le Monde, o fogo teria se originado nos andaimes atualmente instalados na parte superior do prédio para trabalhos de restauração.
Na última sexta-feira (12), 16 estátuas de bronze que adornam os telhados da catedral foram retiradas para serem recuperadas. De acordo com os bombeiros, num primeiro momento, o incêndio estaria "potencialmente relacionado" às obras na edificação.
Mais tarde, eles diriam que o foco do incêndio havia sido o recinto conhecido como "floresta", onde ficam as 1,3 mil vigas de carvalho que desde meados do século 13 sustentam o prédio - são sua "ossatura". Elas "seguram" um teto de chumbo que teve dois terços de sua superfície destruídos nesta segunda-feira.
O emaranhado de madeira possui dimensões maiúsculas: mais de 100 metros de comprimento, 40 m de largura no transepto (e 13 m na nave), além de 10 m de altura.
— Esse lugar contrasta com o resto da catedral, quase todo feito de ferro e pedra. É orgânico, é onde há vida, cheiro de madeira seca há séculos — dizia inconsolável, na praça em frente à entrada principal do templo, Olivier de Chalus, chefe dos guias voluntários da Notre-Dame.
— Ali há silêncio, tranquilidade, enquanto se sente o burburinho da catedral embaixo.
Até a 1h (20h no Brasil), não havia registro de feridos. Parte da construção estava em obras havia cerca de um ano, mas o turno dos operários termina às 17h, então o canteiro já estava inativo no momento em que a porção superior foi tomada por chamas. Alguns bombeiros receberam tratamento no começo da noite por inalação de gases tóxicos.
Um dos símbolos da Notre-Dame foi tragado pelo fogo: a Agulha (Flèche, em francês), torre fina e pontiaguda de 93 metros de altura. Sua queda deixou um rombo em algumas abóbadas do interior da igreja, e destroços da construção invadiam a nave, segundo era possível ver em imagens feitas pela imprensa francesa.
Comoção
No entorno da Notre-Dame, que fica em uma ilha no meio do rio Sena (a Île de la Cité), o clima cerca de uma hora depois de o fogo se propagar era de consternação.
Olhos esbugalhados, centenas de pessoas tiravam fotos e faziam vídeos da igreja em chamas, e algumas choravam copiosamente. O silêncio solene da audiência era entrecortado por sirenes de carros de bombeiros, ambulâncias e viaturas policiais, além de berros de agentes que tentavam ampliar o perímetro de isolamento em torno do edifício, evacuando pontes e ruas de acesso próximas.
A atmosfera de desorientação e tensão lembrava muito a da noite de 13 de novembro de 2015, quando uma sequência de atentados, sobretudo na região nordeste da capital francesa, deixou mais de 130 mortos.
Na imprensa local, jornalistas recorriam a fórmulas como "Paris está desfigurada" e "o coração da cidade arde".
Reconstrução
A mesma emoção contaminou um pronunciamento do presidente Emmanuel Macron, diante da catedral, por volta das 23h30min (18h30min no Brasil).
— Vamos reconstruir Notre-Dame, porque é o que os franceses esperam, é o que a nossa história merece, é o que nosso destino pede — afirmou, com a voz embargada, pouco depois de anunciar que um fundo para os trabalhos começaria a receber doações do mundo todo.
Chefes de Estado e de governo de Alemanha, Reino Unido e Estados Unidos, entre outros, enviaram condolências aos franceses.
Antes, Macron adiou um anúncio que faria nesta segunda-feira (15), na TV, sobre medidas econômicas para aplacar os protestos liderados pelos "coletes amarelos".
Altar e cruz preservados
A metros de onde o presidente falou à imprensa, um barco dos bombeiros bombeava água do Sena para as quatro grandes mangueiras suspensas por guindastes com as quais os agentes tentavam extinguir por completo o fogo. A essa altura, para quem olhava da praça em frente, só restava fumaça.
Por volta das 23h, o porta-voz do bombeiro de Paris anunciou, de acordo com o jornal Le Monde, que o incêndio de Notre-Dame estava "sob controle" e "parcialmente extinto".
Em meio à perplexidade generalizada, algumas boas notícias começavam a surgir. O arquiteto-chefe dos monumentos históricos franceses, Philippe Villeneuve, afirmou ao jornal Le Monde que o tesouro havia sido salvo, ou seja, que a destruição havia sido menor do que o que se poderia temer.
A prefeita de Paris, Anne Hidalgo, seguiu linha semelhante.
— O altar e sua cruz foram preservados. É menos horrível do que eu imaginava — disse ao mesmo jornal.
A torre sul do prédio, que chegou a ser lambida por chamas no começo da noite, também parecia estar a salvo.
No fim da noite, na praça Saint Michel, a 100 metros da catedral, centenas de pessoas (muitas delas bastante jovens) rezavam e entoavam cantos religiosos, numa vigília improvisada com vista para a Notre-Dame.
— É um símbolo da cultura francesa, a joia da coroa, mas também um dos centros do cristianismo no mundo — disse o estudante mexicano de história da arte Luis Alvarez, 25, muito emocionado. — Espero que isso incentive os governos a tomar conta melhor de seu patrimônio, a protegê-lo. Algo tem que acontecer — defendeu.
O médico aposentado François Beaugendre, 81 anos, fazia coro.
— Estou aqui em solidariedade com o povo francês. Espero que tenha sobrado algo. Não podem 800 anos de história desaparecerem em uma hora — disse.
— Estava voltando de um jantar sobre uma peregrinação e quis parar aqui para rezar pelos bombeiros — contou Vidalo Mélodie, 35 anos, diretora de um hospital infantil. — A igreja é um lugar de alegria. Ver uma delas ir pelos ares é duro, ainda mais quando se trata de Notre-Dame, com seus sinos que ditam o ritmo da nossa vida aos domingos — lamentou.
No fim da noite, autoridades ligadas à cúpula católica francesa e à gestão do patrimônio estimavam que a reconstrução integral da porção destruída pelas chamas poderia levar anos, e possivelmente mesmo décadas. E lembravam que a catedral octocentenária já foi palco de um incêndio, este de pequenas proporções, em 1944.