"Ninguém entra numa gangue porque quer, mas por necessidade", garante um hondurenho, ex-membro da temida gangue Mara Salvatrucha (MS-13) a um grupo de religiosos americanos que buscam depoimentos para explicar as causas da emigração ilegal aos Estados Unidos.
Os missionários entraram em um templo católico em um bairro da periferia, no topo de um morro da capital guatemalteca, Tegucigalpa, onde as autoridades prestam ajuda a jovens ex-membros de gangues ou em risco social.
Sentados em cadeiras na entrada da igreja, 13 religiosos da missão, denominada "Mudança interna", escutaram três jovens que desejavam um futuro melhor, que segundo eles lhes era negado em seu país pelo desinteresse e a corrupção de seus governantes.
Um dos membros da delegação religiosa explicou à AFP que queriam conhecer as causas da emigração aos Estados Unidos porque são críticos das políticas anti-imigrantes do presidente Donald Trump.
- EUA: fazer respeitar a lei -
Trump tem impugnado o constante fluxo de imigrantes procedentes de Honduras e defende o direito dos Estados Unidos a proteger suas fronteiras, combater o tráfico de drogas e impedir a entrada de cidadãos em situação ilegal.
Em 4 de maio, cancelou o Status de Proteção Temporária (TPS, na sigla em inglês) que favorecia cerca de 60.000 hondurenhos, vigente desde 1999.
"Não temos dúvidas de que muitos dos que cruzam ilegalmente nossa fronteira fogem de situações difíceis", explicou três dias depois o procurador-geral dos Estados Unidos, Jeff Sessions. "Mas não podemos receber todos aqueles que se encontram em situação difícil no planeta".
"Precisamos de legalidade e integridade no sistema", destacou o titular da Justiça, que prometeu "tolerância zero" na hora de fazer respeitar a lei nos Estados Unidos.
O que os religiosos ouviram é que os jovens deixam seu país devido à desintegração familiar, à falta de emprego, a serviços de saúde e educação e, em alguns casos, fugindo do recrutamento das gangues.
As gangues MS-13 e Barrio 18, integradas por dezenas de milhares de jovens, semeiam o pânico nos bairros pobres das principais cidades dos países do Triângulo Norte da América Central (Honduras, El Salvador e Guatemala), onde traficam drogas, assaltam, assassinam e extorquem.
- Começou a "trabalhar" aos 14 -
De baixa estatura, pele morena, cabelos arrepiados e curtos, o homem de 38 anos, que se identificou com o pseudônimo de César por motivos de segurança, atribuiu sua adesão à MS-13 ao abandono de seu pai.
"Minha pai nos jogou na rua, minha mãe com seis filhos e grávida. Dormíamos na rua, comíamos do lixo, aguentamos sol, frio e chuva", lamenta César.
Relatou que para fugir artificialmente de sua desgraça se refugiou na cola de sapateiro, perambulando pelas ruas onde foi recrutado por líderes das MS13 quando tinha 14 anos.
Para entrar na gangue, César disse que teve que se submeter a surras e maus-tratos. O primeiro "trabalho" que lhe deram foi distribuir drogas, depois de forçá-lo a se esquecer da família, inclusive sua mãe.
"No nosso país as gangues são muito poderosas, têm o poder com os narcotraficantes e o apoio das mesmas autoridades", acrescentou.
Assegura que os membros de gangue presos dirigem das penitenciárias a distribuição de drogas e os pistoleiros junto com as autoridades corruptas.
Lamenta que o governo "só ofereça" prisão, mas "não está fazendo o trabalho que corresponde", de atender os jovens, com oportunidades de trabalho e educação gratuita, pelo que se veem "obrigados" a entrar em gangues para sobreviver ou emigrar para os Estados Unidos.
- Uma rede criminosa que se espalha -
César dá "graças a Deus" por ter podido deixar a gangue depois de seis anos para se inserir nos trabalhos sociais da Igreja porque a única possibilidade que os líderes oferecem para sair é se dedicar "às coisas de Deus".
"A gangue se espalha de forma silenciosa porque os jovens se unem em cada bairro e colônia", relata outro entrevistado, que se identificou como Humberto, também de 38 anos.
"A gente pode ter três diplomas universitários e não consegue trabalho. Então, os jovens são obrigados a entrar no mundo da venda de drogas", lamenta Humberto.
Com formação em especialista de estruturas metálicas, Humberto trabalha no departamento de manutenção de uma empresa. "Tive que trabalhar em qualquer coisa: jogar lixo, motorista de ônibus", se queixa.
Outro jovem que se identificou como Joel Valle, de 27 anos, lamentou que seu irmão tenha partido para Houston, no Texas, há dez dias porque "estava passando fome", mas outra irmã ficou presa no México porque os Estados Unidos aumentaram os bloqueios na fronteira.
* AFP