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A reunião de chanceleres do Mercosul hoje tem uma peculiar contradição: ao mesmo tempo em que externamente o protecionismo do governo americano sob Donald Trump empurra o México, a Aliança do Pacífico e até a União Europeia (UE) para "novos desafios", os problemas internos do bloco sul-americano lhe inibem atuações mais arrojadas.
São questões ilustráveis por dois episódios de terça-feira: no Brasil, a maior economia do bloco, foi registrada inédita recessão de dois anos ininterruptos, com a queda de 3,6% do Produto Interno Bruto, e os casos de corrupção atingem o núcleo do poder. Na Argentina, a segunda maior economia, as acusações de desvios também fustigam as autoridades, e, ainda na terça-feira, uma marcha organizada pelas poderosas centrais sindicais tomaram conta de Buenos Aires e indicaram a organização de uma greve geral entre o final de março e o início de abril.
É justamente em Buenos Aires, palco desses protestos, que ocorrerá o encontro dos chanceleres. A ideia de Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai é de pavimentar o caminho para uma maior abertura do Mercosul, com o agendamento do acordo de livre comércio com a UE em 2018. No dia 6 de fevereiro, um mês antes da reunião, os presidentes argentino e brasileiro, Mauricio Macri e Michel Temer, propuseram um avanço na eliminação das barreiras tarifárias no âmbito do Mercosul e uma aproximação com o México. A avaliação é de que os mexicanos estão de olho no sul do continente, para compensar perdas provocadas pelo fechamento das fronteiras com os EUA.
O governo uruguaio já adiantou que deve ser marcada reunião com os países da Aliança do Pacífico (México, Chile, Colômbia e Peru) para tratar de uma aproximação gradual, antes inibida pelos governos da Venezuela (país suspenso do Mercosul) e da Argentina sob as presidências de Néstor e Cristina Kirchner.
O chanceler uruguaio, Rodolfo Nin Novoa, tem manifestado o agravamento de um antigo sentimento do seu país: o de que os "sócios menores" do bloco (Uruguai e Paraguai) se ressentem de opções para o comércio. Com a crise e o pragmatismo comercial da Aliança do Pacífico, esse sentimento se intensificou. A palavra "Uruexit" (corruptela do Brexit, a saída britânica da UE) já é corrente (leia texto sobre isso). Brasil e Argentina, porém, traçam planos de seguir o exemplo do Pacífico, para acompanhá-lo em suas estratégias bem menos ideológicas e fechadas que as do Mercosul.
Clima de ceticismo em relação a avanços
Os economistas, porém, são sestrosos em relação ao sucesso da nova mentalidade do bloco.
– Não espero muita coisa. Os principais países têm problemas crassos, tanto o Brasil quanto a Argentina. Essa reunião será uma perda de tempo – diz Fernando Ferrari, professor da UFRGS.
– Sou muito cético. O Mercosul não andou para a frente, não ajudou o Brasil. A ideia era de integração. Não houve vantagens comparativas. Ou fazem uma área de livre comércio, ou nada. Temos de nos aproximar sozinhos da Aliança do Pacífico e da UE. Ou é de verdade, ou o Mercosul deve acabar. A Argentina sempre impôs empecilhos. O Mercosul nos amarra – completa Marcelo Portugal, também da UFRGS.
A novidade pode vir do México.
– O México deve ser o mais afetado pela abordagem "America First" (os EUA primeiro) de Trump. O país tem 80% das exportações destinadas ao vizinho do norte. Mais da metade de seu investimento estrangeiro direto vem dos EUA. Diante disso, o presidente Enrique Peña Nieto se força a articular a mais profunda reorientação estratégica do país – diz Oliver Stuenkel, professor de Relações Internacionais da Fundação Getulio Vargas, que vê uma "oportunidade para o Mercosul".
O "fator Trump" provoca o que Macri e Temer, em meio à crise, definiram como a possibilidade de dar um "impulso histórico" ao Mercosul. Macri, nas últimas semanas, esteve na Espanha e no Chile, aproximando-se da UE e do Pacífico. Com a chilena Michele Bachelet, alinhavou reunião de cúpula Mercosul-Pacífico já para abril. E ambos não deixaram por menos: a meta é a união, apesar de assimetrias como a de que países como Chile, Peru e Colômbia têm acordos de livre comércio com 180 países, contrastando com os protecionismos de Brasil e Argentina.