A enorme sala de exposições da velha cidade de Perpignan, no sul da França, estava cheia de gente em uma sábado recente, quando a multidão cantava como em uma corrida de Fórmula 1: Marine! Marine! Marine!
Quando Marine Le Pen, a carismática e complicada líder da Frente Nacional, o maior partido de extrema direita da França, subiu ao palco, o público gritava, comemorava e, sem demora, começava a cantar A Marselhesa, o hino nacional da França.
Marine Le Pen, a famosa filha do fundador da Frente Nacional, Jean-Marie Le Pen, considerado antissemita e xenofóbico, parece estar transformado o partido de um elemento marginal na política francesa, em outro muito mais central. Ela moderou sistematicamente a imagem do partido e o posicionou para tirar proveito da insegurança econômica generalizada, do profundo sentimento antimuçulmano e antimigratório, além do desgosto com a política atual.
- Temos cinco milhões de desempregados - por que permitimos que mais imigrantes venham para cá?, questionou Le Pen durante uma entrevista recente em seu escritório.
Assim como muitos outros, Le Pen, de 45 anos, incorpora uma linha do conservadorismo populista que tem ganhado força na Europa nos últimos cinco anos. Esse populismo tem atualmente sua melhor chance de reequilibrar o debate ideológico em uma série de países, desafiando as décadas de iniciativas em prol da integração na União Europeia.
Nas eleições recentes para prefeito, a Frente Nacional venceu em 11 cidades, e candidatos com tendências similares venceram em outras três. A exibição foi suficientemente forte para abalar os partidos tradicionais da esquerda e da direita, e para gerar expectativas - ou medos - de que a Frente Nacional e os partidos de extrema direita da Inglaterra, Holanda e Itália possam ganhar ainda mais nas eleições para o Parlamento Europeu, em maio.
Para um país que enfrenta índices de desemprego incansáveis, concorrência global cada vez mais intensa e questões sobre o que significa ser francês, a mensagem de Le Pen é nacionalista, antielitista, anti União Europeia, protecionista e claramente antimigratória.
- Temos a liberdade de receber ou não aqueles que querem vir, afirmou para a plateia que a aplaudia em Perpignan, que parecia ser completamente composta de pessoas de pele branca.
Ela e sua equipe descrevem a Frente Nacional como um partido de patriotas. Mas diferentemente do Tea Party, nos EUA, sua filosofia não é antigovernamental; na verdade, ela é favorável a um governo que apoie o que Le Pen e seus seguidores veem como o estilo de vida tradicional da França para as pessoas que eles consideram ser os verdadeiros franceses.
- Queremos garantir nosso direito à prioridade nacional. As pessoas querem viver como os franceses na França, não como os sauditas, ou os cataris, afirmou Le Pen durante o comício.
Quanto à União Europeia, ela ridiculariza o grupo como a União Soviética da Europa.
Le Pen continua à sombra do discurso antissemita de seu pai. Certa vez ele descreveu as câmaras de gás nazistas como um detalhe na história da Segunda Guerra Mundial.
Entretanto, desde que assumiu o partido em 2011, ela deu início a um plano para expandir suas bases a cada nova eleição, ao enfatizar temas econômicos, tentar recrutar candidatos mais confiáveis e se concentrar nas eleições locais, faturando uma maior representatividade no Parlamento Europeu.
Ainda não se sabe se os ganhos recentes do partido irão durar mais que este momento particular da política francesa, quando o Partido Socialista de Hollande, o UMP, está especialmente fraco.
O encanto da Frente Nacional começa com a maneira direta e informal de Le Pen, que reduz problemas econômicos complexos a um punhado de frases espertas, recorda as glórias da França que parecem estar ficando no passado e promete que os generosos benefícios do governo não precisam ser cortados, a não ser para os imigrantes que ela considera desnecessários.
Ela possui uma presença autoritária, amenizada pela voz um pouco rouca - ela foi fumante por muitos anos, mas agora usa um cigarro eletrônico -, e parece esperar as perguntas difíceis. Suas respostas podem não ser profundas, mas diferentemente de muitos políticos, ela não conta lorotas. Le Pen se inspira em Joana d'Arc, que ajudou a libertar a França da dominação inglesa.
Se as eleições do Parlamento Europeu em maio tiverem o resultado que ela espera, a política tentará formar um bloco de extrema direita com deputados que pensam de forma similar em outros países da Europa.
Ao manter seus esforços no sentido de evitar associações com o antissemitismo e o extremismo violento, ela já disse que não irá colaborar com partidos extremistas da Hungria e da Grécia. Porém, o Partido Independência, do Reino Unido, já se negou a trabalhar com ela no ano passado, porque o antissemitismo e o preconceito continuam a fazer parte do DNA do partido, afirmou Nigel Farage, o líder britânico do partido, de acordo com uma série de reportagens.
Alguns analistas dizem que duvidam que o encanto da Frente Nacional irá continuar a crescer após a recuperação da economia.
- Esses períodos sempre foram ótimos para os extremistas, afirmou Pascal Lamy, que acaba de deixar o cargo à frente da Organização Mundial do Comércio e passou anos na Comissão Europeia. Ele destacou que houve um forte movimento de extrema direita na França no século passado.
Contudo, Le Pen não cabe em nenhuma caixinha. Além de querer limitar drasticamente a imigração e querer o fim do euro, ela é favorável aos direitos dos homossexuais, embora não apoie o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Divorciada duas vezes e atualmente em um relacionamento com Louis Aliot, que perdeu as eleições para a prefeitura de Perpignan pela Frente Nacional, ela está longe da imagem das conservadoras sociais dos EUA.
Muitos analistas afirmam que Le Pen parece determinada a distanciar o partido de sua antiga identidade racista e antissemita. No ano passado ela expulsou do partido um candidato da Frente Nacional que postou na página de Le Pen no Facebook uma foto da ministra da justiça, Christiane Taubira, que é negra, ao lado de um chimpanzé e acompanhada de um texto que dava a entender que os dois eram a mesma coisa.
Ao mesmo tempo, Le Pen não consegue impedir, e talvez não queria, que as pessoas mais racistas a apoiem.
Jean-Yves Camus, diretor do Observatório de Políticas Radicais da Fundação Jean Jaurès, afirmou que mesmo que Le Pen não venha a se tornar presidente, ela está levando toda a discussão política à direita, legitimando suas ideias na França e em outros países da Europa.
- O grande erro da direita francesa é que cada vez que a Frente Nacional ganha votos, toda a direita adota os temas da Frente Nacional, afirmou Camus.
Quando o comício de Perpignan chegou ao fim, as pessoas lotaram o palco para cumprimentar Le Pen em pessoa.
Matthieu, de 25 anos, um jovem com emprego precário, vestindo calças jeans pretas, e jaqueta preta, que se negou a revelar seu sobrenome, olhou admirado para Le Pen enquanto ela segurava um bebê.
- Ela ainda é tão sincera; é uma pessoa cheia de convicções. Precisamos voltar no tempo e reavivar um pouco o patriotismo nacional, afirmou.
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