Os integrantes desta idílica comunidade utópica escondida nas montanhas do sudoeste chinês dividem uma vida agrária que provavelmente teria deleitado o presidente Mao: todo dia eles são voluntários para trabalhar nos campos, alimentar as galinhas de propriedade comunitária e preparar comida suficiente para encher a barriga de todos na comuna. A generosidade da colheita é dividida igualmente e, aparentemente, sem discussão, parte de uma filosofia que enfatiza a vida igualitária e sem egoísmo em contraposição ao dinheiro e ao materialismo.
- O que estamos fazendo basicamente aqui é o comunismo, disse Xue Feng, 57 anos, fundador de fala mansa do Shengmin Chanyuan (Novo Oásis para a Vida), cujos 150 membros incluem camponeses analfabetos e refugiados das empresas da cidade grande. - As pessoas fazem o que podem e recebem o que necessitam.
Porém, nem sempre o marxismo é assim na China moderna e o Novo Oásis irritou autoridades locais em Yunnan, província semitropical exuberante que faz fronteira com Laos, Vietnã e Mianmar.
Meses de intimidação oficial e atos de sabotagem destruíram o suprimento de água e eletricidade do Novo Oásis e afastou muitos moradores, esvaziando duas das três comunas do grupo na província.
Em Lincang, no entanto, permanecem alguns baluartes, determinados a ficar. Eles estão se preparando para o ataque final dos agentes de segurança pública que ameaçaram expulsá-los de seu trecho proletário do Éden. Suas esperanças se resumem a poder defender o contrato de terra que, segundo eles, as autoridades querem cancelar.
- Não tivemos problemas durante anos e, agora, o governo está dizendo que nossa produção não tem licença e que estamos dividindo cônjuges, disse Xu Mengting, 25 anos, que trabalhou em uma empresa de telecomunicações antes de entrar para o Novo Oásis em 2011.
Xu, que agora atende pelo nome Destino Pacífico, qualificou as alegações como afirmativas malucas. Segundo ela, as autoridades lhe disseram que a verdadeira objeção ao Novo Oásis se baseava no fato de que "o que estamos fazendo é contra o status quo do nosso país".
O drama em andamento ressalta os perigos que os chineses enfrentam ao tentar resolver os problemas de seu país com as próprias mãos.
Com ênfase na agropecuária orgânica, espiritualidade terrena e formas anticonvencionais de parentesco, as comunidades do Novo Oásis foram um farol para pessoas de todas as origens que buscavam fugir da poluição, corrupção e conservadorismo social da vida chinesa contemporânea. Nos últimos cinco anos, famílias inteiras, vizinhos rurais e jovens urbanos descontentes se mudaram para Yunnan com o intuito de construir os três assentamentos de casas de tijolos parecidas cobertas por telhados metálicos vermelhos, em uma área de aproximadamente 60 hectares de terra cultivável.
Porém, o Partido Comunista nunca teve muita tolerância com organizações independentes de qualquer tipo, por mais benignas que fossem. Mesmo enquanto afrouxava as restrições à adoração religiosa nas últimas décadas, o governo passou a esmagar igrejas cristãs não aprovadas, professores budistas com seus próprios seguidores e discípulos da Falun Gong, o movimento quase espiritual qualificado como "culto maligno" pelo governo central.
Até mesmo grupos pequenos como o Novo Oásis entram em conflito com os medos profundos do partido em relação a movimentos independentes, ainda mais se liderados por figuras carismáticas - apreensão originada na história nacional de levantes e revoluções.
Xue, amigável fundador do Novo Oásis, insiste que seus objetivos são apolíticos, mas mantém ambições de estabelecer 256 comunas pelo mundo.
- Nós descobrimos um novo caminho para o povo viver consumindo menos recursos e existindo de forma mais harmoniosa, ele afirmou em fevereiro, enquanto os seguidores concordavam em uníssono.
Xue diz que a epifania para a criação da harmonia global por meio de uma existência livre de classes lhe ocorreu em 2002 enquanto trabalhava como empresário no Zimbábue. Em 2009, ele criou a primeira comunidade com 25 seguidores atraídos pela mensagem de liberdade individual, uma noção bastante radical em uma sociedade que valoriza a devoção filial e a conformidade em vez da busca de realização pessoal.
Certamente, alguns aspectos da estrutura e das práticas do grupo são bastante heterodoxas. Os membros são conhecidos como celestiais, toda propriedade é compartilhada e os casais dormem separados. Após entrar para a associação, cada integrante assume um novo nome com o caractere chinês para grama, para simbolizar o vínculo com o mundo natural e o compromisso com a comunidade. Casamento, dinheiro, supervisão e punição são proibidos porque os residentes acreditam que essas coisas impedem a felicidade.
Por causa do bloqueio político à comuna, visitar o Novo Oásis requer um grau de subterfúgio. Durante o feriado do Ano-Novo Lunar, em fevereiro, quando a segurança estava relaxada, um grupo de gente de fora conseguiu entrar sem ser notado.
Embora o sol fosse inclemente e os conhecidos inimigos estivessem nos portões, Meng Lichun, coordenador de produção e subsistência da comuna, estava radiante enquanto avançava a passos largos por um caminho de concreto, mostrando pomares com pessegueiros jovens que ele ajudou a plantar. Meng apontou plantações em terraços onde não faltavam batatas-doces, cenouras e repolho, todos cultivados sem pesticidas nem fertilizantes químicos.
Descendo o morro, centenas de patos e gansos espalhavam água em um lago em forma de crescente. Uma horta com produtos da medicina tradicional chinesa, onde as ervas haviam acabado de brotar, fica diante de uma porta clássica em formato de lua. - Não ferimos nenhuma criatura viva. É desse jeito que nos tratamos aqui, disse Meng, 38 anos.
O governo chinês não foi tão benevolente. Há um ano, as autoridades pressionam pelo fim do Novo Oásis, alegando que o grupo violou leis de casamento, silvicultura e educação. Ao mesmo tempo, eles montaram uma campanha de importunação implacável, o que ressalta a complicada relação da China com o Estado de direito.
Depois que bandidos ameaçaram membros da comunidade e destruíram canos de água e geradores de eletricidade, a comuna reclamou à polícia, mas esta afirmou que não havia pistas para identificar os responsáveis pelos ataques. Porém, há pouco tempo a polícia montou um abrigo pré-fabricado para proteger os guardas que monitoram o portão principal há meses.
Xue afirmou que o proprietário das terras onde se encontra a comunidade de Lincang, uma escola local, passou a ser pressionado a cancelar o arrendamento de 30 anos. Em dezembro, o departamento florestal determinou uma multa de US$ 27 mil e ordenou que a propriedade fosse deixada do jeito que era antes de a comuna ser construída. Em janeiro, um caminhão com alto-falantes foi estacionado em um morro de frente para o Novo Oásis, transmitindo alertas de que os moradores violavam leis e regulamentos. E as autoridades da educação removeram todas as crianças da comuna, enviando-as a escolas públicas.
- O governo está procurando qualquer desculpa para se livrar de nós, disse Yan Li, 36 anos, ex-gerente de projetos de comunicação de Xangai que adotou o nome Mesmo Coração após se juntar ao Novo Oásis.
Os membros da comunidade afirmam que receberam uma oferta de indenização caso fossem embora. Muitos disseram suspeitar que as autoridades agissem em nome de incorporadoras imobiliárias com contatos políticos interessadas na terra, como costuma acontecer na China.
Usando galochas azuis, Cui Wenzhen, 67 anos, que agora usa o nome Terra Benéfica, estava sentada desfolhando repolho para alimentar as aves da comunidade. Analfabeta e cansada da pobreza, ela deixou para trás uma vida de agricultura de subsistência na província de Henan, porção oriental do país, quatro anos atrás para se juntar ao Novo Oásis, conheceu por intermédio de uma amiga. O marido logo veio se juntar a ela.
Ao ser perguntada sobre o que eles fariam se fossem expulsos da comuna, Cui abriu as mãos calejadas em um gesto de desespero. - Nós vendemos tudo que tínhamos para vir para cá. Não tenho casa para voltar nem como sobreviver, desabafou ela.
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Autoridades pretendem acabar com comunidade alternativa na China
Comunidades do Novo Oásis têm ênfase na agropecuária orgânica, espiritualidade terrena e formas anticonvencionais de parentesco
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