Exageros na comida e na bebida são, há muito tempo, um dos perigos da vida política dos membros do Parlamento Britânico. Porém, isso não é mais verdade. A abstinência parece ter entrado na ordem do dia.
Embora a nova sobriedade possa ser boa para as vidas familiares dos legisladores, suas cinturas e a saúde coletiva, ela cortou parte da receita que sustenta o Palácio de Westminster, construído no século XIX para abrigar a Câmara dos Lordes e a Câmara dos Comuns, sem falar em inúmeros bares e outros locais de encontro.
Isso levou a uma iniciativa inesperada para levantar fundos: as autoridades do Parlamento decidiram alugar alguns de seus espaços maravilhosos para que o prédio continue em forma.
No passado, depois de longas horas no Parlamento, uma bebedeira no palácio era considera essencial, seja como comemoração ou para se consolar. Entretanto, os políticos estão deixando de fazer isso atualmente, e com menos legisladores ficando até tarde da noite no local, as autoridades estão alugando 15 salões de jantar e de chá pouco usados para empresas e organizações com o objetivo de arrecadar fundos.
- Existem mais membros do Parlamento vivendo uma vida frugal no momento. Eles estão tão consumidos com a culpa e o escândalo que se tornaram neuróticos com o bom comportamento, de forma que tomam um copo de Coca-Cola à noite, leem os jornais da noite e vão para cama - afirmou Paul Flynn, veterano do Partido Trabalhista e autor de um livro de autoajuda para novos membros.
As autoridades da Câmara dos Comuns afirmam que o Palácio precisa de ao menos US$ 65 milhões ao ano só para a manutenção e que ele já recebeu a autorização para a realização de casamentos.
Os legisladores "não podem exigir maior eficiência do público em um momento de austeridade, se o próprio Parlamento é imune às mesmas medidas", afirmou Thomas Docherty, outro legislador trabalhista, que faz parte do Comitê de Administração da Câmara dos Comuns:
- Somos nós fazendo a nossa parte.
O comitê afirmou que recebeu um pequeno número de pedidos desde que a iniciativa começou no fim de dezembro. Nenhuma delas foi aprovada até o momento, mas a demanda deve aumentar. O valor por sala varia de US$ 1.650 a quase 15 mil pela diária, ou de 450 a 7,5 mil dólares pela noite. O palácio oferece descontos para eventos de caridade.
A Câmara dos Lordes, que não é eleita pelo voto popular, não tem planos similares. Todavia, a decisão de não sobrecarregar os contribuintes com a manutenção de prédios históricos pode agora se estender até mesmo ao Palácio de Buckingham.
Em outubro do ano passado, o palácio real, residência da Rainha Elizabeth em Londres, foi alugado pelo executivo-chefe da JPMorgan Chase, Jamie Dimon, para um jantar realizado pelo Duque de York para entreter os clientes do banco. Em janeiro, quando foi revelado que o orçamento da casa da rainha havia diminuído para apenas US$ 2,5 milhões, 87 legisladores pediram para que a casa real abrisse as portas para mais visitantes, o que ajudaria com os custos de manutenção.
O Palácio de Westminster, com seus pináculos e abóbadas neogóticos dourados pelo rio Tâmisa, é mais conhecido por sua torre do relógio, o Big Ben, e pela Abadia de Westminster. O palácio foi construído sobre os remanescentes do palácio medieval, destruído em um incêndio em 1834.
Considerado um Patrimônio da Humanidade pela Unesco, há décadas ele cobra dos turistas por visitas guiadas. Empresas e executivos puderam realizar eventos no local, desde que fossem apadrinhados por algum membro do Parlamento, mas as novas iniciativas formalizam o processo, e os pedidos são aprovados por um comitê, não por legisladores individuais. A ideia é acabar com possíveis conflitos de interesse.
Entre as áreas que poderão ser alugadas, estão o Salão Pugin, que recebeu o nome de Augustus Pugin, um arquiteto do século XIX mais conhecido por ressuscitar o estilo gótico na Inglaterra. Ele projetou a maioria dos interiores do palácio, incluindo os puxadores das portas.
Um candelabro é a peça central do salão, com um retrato de Pugin em uma das paredes. A sala oferece champanhe, além de biscoitos e bolos de fruta caseiros, o que dá "um ar levemente descontraído ao lugar", afirmou Flynn, o legislador Trabalhista.
Grandes eventos são celebrados no local, mas a sala é muito boa para encontros românticos, que são frequentes no Parlamento, afirmou. Uma política, segundo ele, era conhecida por ter se tornado católica depois de se encontrar com um padre e tomar muito vinho tinto naquela sala.
O Salão de Jantar Churchill inclui paisagens pintadas pelo próprio Churchill.
Além disso, há a Sala de Jantar dos Estranhos e a Sala de Jantar dos Membros, que recebem esse nome para separar visitantes e legisladores. Ambas têm o ar de um grande salão em um castelo, decorados com esculturas em madeira representando animais selvagens, flores e frutas contra o papel de parede verde-musgo.
Os convidados podem beber o champanhe da Câmara dos Comuns por US$ 65 a garrafa e o cardápio inclui pernil de cordeiro assado com canela, pato de Gressingham e pão-de-ló de gengibre e Guinness.
- Você pode se sentar ali e pensar 'Winston Churchill costumava se sentar naquele canto, e Aneurin Bevan, fundador do Serviço Nacional de Saúde, naquele outro canto' - afirmou Flynn.
Ele recordou que Margaret Thatcher, quando era primeira-ministra, chegou e perguntou a um grupo de Tories se ela podia se juntar a eles para o jantar.
- Quem poderia discordar? Ao longo das gerações, todas essas pessoas se sentaram aqui e aproveitaram esse lugar.
Contudo, nem todos gostam das mudanças. Kevin Brennan, legislador trabalhista, afirmou que banqueiros e instituições financeiras não deveriam poder alugar os locais.
- Conseguimos sobreviver até agora como Parlamento por centenas de anos sem precisarmos recorrer justamente aos interesses comerciais, em muitos casos, que causaram a crise que levou à austeridade. Seria irônico, não seria? Se os banqueiros bebessem champanhe no Parlamento do povo para arrecadar dinheiro por conta do dano que causaram. Acredito que esse seja um limite que não vamos ultrapassar - afirmou em um debate no mês de novembro.
Peter York, comentarista social, questionou:
- O que virá em seguida, o Palácio JPMorgan de Westminster?
O conceito "se parece demais com fazer lobby", afirmou em uma entrevista.
- Se isso não aconteceu no Congresso, a capital global do capitalismo, isso não deveria acontecer aqui.
Mas John Thurso, um legislador Liberal Democrata e antigo empresário com uma cadeira no Comitê de Administração, afirmou que a iniciativa é uma maneira de trazer o Parlamento ao século XIX.
- Uma atitude empresarial, tanto na forma como nos comportamos individualmente como membros do Parlamento, quanto na forma como a Câmara dos Comuns é administrada, é muito importante. Hoje o meu trabalho é garantir que trabalhamos de uma forma honrada, honesta e sóbria e estou fazendo o meu melhor para garantir que isso aconteça - afirmou.
Iniciativa inesperada
Para levantar fundos, Parlamento britânico aluga espaços do Palácio de Westminster
Entre as áreas que poderão ser utilizadas, estão o Salão Pugin, que recebeu o nome de um arquiteto do século XIX conhecido por ressuscitar o estilo gótico na Inglaterra
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