Os cerca de 20 ativistas se reuniram em uma pousada isolada nos arredores da capital, deixando seus celulares para trás para evitar a detecção pela polícia. A primeira mudança de liderança chinesa em uma década se aproximava rapidamente, e o grupo enxergou uma abertura para um movimento que combateria a injustiça e a corrupção oficiais.
Naquele dia, em maio de 2012, eles começaram a arquitetar um plano para expandir o Movimento dos Novos Cidadãos, uma ambiciosa campanha por transparência e justiça que acabaria atraindo até 5 mil apoiadores, inspirando manifestantes de todo o país e proporcionando o primeiro grande teste de tolerância do novo líder para o ativismo político de base.
Eles se sentiram encorajados quando o novo líder da China, Xi Jinping, assumiu o poder em novembro, prometendo acabar com a corrupção, promover a justiça judicial e respeitar a constituição - metas incrivelmente próximas das suas.
Hoje, 14 meses depois, eles têm a resposta.
Cerca de 20 pessoas associadas ao grupo foram presas. Três membros aguardam julgamento. E o advogado que organizou a reunião na pousada, Xu Zhiyong, foi indiciado em dezembro por "reunir um grupo para perturbar a ordem pública", e quase certamente será condenado.
O esmagamento do Movimento dos Novos Cidadãos é apenas um exemplo gritante da recusa da nova liderança de permitir qualquer tipo de oposição.
Desde que Xi assumiu o controle, o Partido Comunista usou a mídia estatal para denunciar supostas ameaças ideológicas, tentou limpar a internet de rumores e opiniões politicamente indesejáveis e tentou silenciar defensores de direitos humanos e jornalistas sensacionalistas. Wen Yunchao, um ativista chinês que estuda na Columbia University, estima que 150 ativistas tenham sido presos no ano passado, sem contar os tibetanos e uigures detidos por acusações de separatismo.
Esses eventos ocorreram basicamente fora do radar, atraindo pouca atenção doméstica ou no estrangeiro, e simplesmente emudeceu um protesto internacional. Mas em conjunto, eles constituem uma repressão generalizada que, segundo especialistas, é mais ampla e organizada do que outros ataques recentes sobre a dissidência.
- A nova liderança vem sendo muito mais sistemática e estratégica quanto à opressão - , afirmou Maya Wang, pesquisadora em Hong Kong para o Human Rights Watch, apontando esforços simultâneos para controlar a mídia tradicional e comentários online, ao mesmo tempo em que tenta anular até mesmo as menores manifestações de rua. - Ao lidar com essas pessoas, o governo está basicamente enviando um sinal de que está com a vantagem -
Xu, de 40 anos, nem se aproxima de um agitador radical. Como jovem advogado, ele conquistou uma reputação nacional por promover mudanças sociais nas beiradas do sistema. Em 2003, ele obteve uma cadeira como candidato independente no Congresso do Povo de um distrito, um conselho recheado de autoridades nomeadas pelo partido. Fotogênico e articulado, ele foi celebrado pela imprensa local e apareceu na capa da edição chinesa da revista "Esquire".
Ele emergiu como obstinado ativista jurídico durante uma reação popular contra a prática de realocar pessoas à força, sem autorizações adequadas de residência. Em 2003, depois que a polícia espancou até a morte um jovem designer na cidade de Guangzhou, Xu e outros dois acadêmicos jurídicos divulgaram uma petição ao Parlamento exigindo um fim para o sistema. Para sua surpresa, Wen Jiabao, então primeiro-ministro, aboliu a prática assim que assumiu o cargo, em 2003.
Esse caso e outros se cristalizaram em uma abordagem ao ativismo combinando litígio e recursos do governo em casos específicos, com lobby público na imprensa e na internet, em rápida expansão. Xu e seus colegas assumiram os casos de prisioneiros no corredor da morte, pais de crianças envenenadas por leite em pó adulterado e uma mulher estuprada por autoridades. O movimento veio a se chamar "defesa de direitos", ou "weiquan" em chinês.
- Você poderia pensar no movimento weiquan como uma consequência involuntária de reformas jurídicas e a disseminação da internet - , afirmou Eva Pils, professora de Direito na Universidade Chinesa de Hong Kong. - Eles permitiram que o gênio saísse da lâmpada - .
Contudo, o movimento logo atraiu a hostilidade do governo. A polícia, os tribunais e o organismo do partido que supervisiona os advogados impediram que eles assumissem casos delicados, bloquearam o prosseguimento dos processos ou revogaram suas licenças de advocacia. Em 2009, o governo fechou a organização de advocacia e pesquisa de Xu, a Open Constitution Initiative, e o prendeu sob a acusação de evasão fiscal. Após uma comoção pública, ele foi libertado sob fiança e a questão foi abandonada.
Em vez de subjugar o movimento, a pressão persuadiu muitos ativistas a trocar essas batalhas em tribunais comandados pelo partido, cada vez mais infrutíferas, por uma campanha mais ampla e mais pública por mudanças políticas.
Os cidadãos chineses estavam cada vez mais cientes de seus direitos legais, e dispostos a desafiar o governo para fazê-los valer. A internet, especialmente a mídia social, ampliou a consciência pública sobre os abusos.
Xu e outros ativistas decidiram que estava na hora de avançar com suas ambições através de um esforço mais coeso. Em 2012, eles batizaram sua iniciativa de Movimento dos Novos Cidadãos e divulgaram um manifesto, pedindo que os apoiadores adotassem seus ideais e símbolo - um logotipo azul e branco declarando "Cidadão" - e formassem grupos com reuniões regulares.
- Este é um movimento político pelo qual esta antiga nação dá um último adeus à autocracia e conclui a transição civilizada ao governo constitucional - , escreveu Xu naquele mês de maio.
As promessas do novo líder sobre corrupção e justiça não foram os únicos sinais que fortaleceram a determinação do movimento. Xi também rebaixou o posto de chefe de segurança doméstica, sugerindo, para alguns, que a polícia teria de prestar mais atenção às restrições jurídicas.
A resposta inicialmente amena do partido a um protesto contra a censura no jornal "Southern Weekend", no início de 2013, também alimentou expectativas de que o governo toleraria um ativismo mais organizado, afirmou Chen Min, ex-editor da publicação.
- A impressão que deixou em algumas pessoas foi que haveria mais espaço para a defesa de direitos humanos nas ruas, embora sempre fosse haver riscos e contratempos - , explicou Chen, que é mais conhecido pelo pseudônimo Xiao Shu.
Os apoiadores viram vantagens na falta de uma liderança claramente definida no movimento; um líder poderia provocar uma proibição do governo. As reuniões eram informais, muitas vezes em restaurantes, durante o jantar.
Xu - acreditava no poder do povo para realizar mudanças - , disse Guo Yushan, um acadêmico com mente reformista. "Ele achava que teria sucesso e, que quando se retirasse, outros iriam segui-lo".
O Partido Comunista tem parcialmente aprovado algumas das mudanças exigidas pelos defensores de direitos humanos, como acabar com a reeducação pelo trabalho, uma forma de prisão sem julgamento. No entanto, nos bastidores, segundo Chen e outros, os encontros alimentaram temores, por parte dos líderes, de que o crescente clamor pela reforma pudesse formar uma ameaça à autoridade do partido.
Durante reuniões secretas na última primavera, autoridades de segurança e propaganda concluíram que teriam de adotar uma linha dura, declarou Chen. Em abril, a liderança aprovou uma diretiva interna identificando sete ameaças ideológicas - incluindo ativistas de direitos humanos e defensores da sociedade civil.
As detenções parecem ter frustrado o movimento com eficiência. Além de uma série de ativistas veteranos, em outubro as autoridades prenderam Wang Gongquan, um rico capitalista e investidor que apoiava o grupo.
Em sua acusação, promotores descreveram Xu como o "cabeça" de vários dos protestos de 2013. Em janeiro, enquanto ele estava em uma prisão em Pequim, sua esposa dava à luz uma filha.
- Dessa vez acho que Xu vai para a cadeia, e não por pouco tempo - , disse Guo, o acadêmico. - Xi precisa montar um grande show. Ele está se sentindo confiante. Ele precisa mostrar ao povo quem é o chefe -
Opressão
Na China, tentativas de manifestação são reprimidas pelo governo
Ativistas sentiram-se encorajados a se manifestar após Xi Jinping assumir o poder, mas perceberam que o novo líder se recusa a ter oposição
GZH faz parte do The Trust Project