Oito anos atrás, quando os salários começaram a subir no país, o China Poly Group Corp., um conglomerado estatal que começou a vida vendendo armas para o Exército de Liberação Popular, decidiu se aventurar em outro campo de batalha: o mercado de arte.
A empresa já investia em teatros, carros esportivos, imóveis e até mesmo programas de TV e a nova divisão, a Beijing Poly International Auction, rapidamente se juntou às outras no moderno e imponente prédio cor-de-areia aqui na cidade, onde os visitantes podem comprar quadros no terceiro andar, ou um sistema de mísseis no 27°.
Em sua vida curta, a Poly Auction acabou por se transformar na terceira maior casa de leilões do mundo, atrás apenas da Christie's e da Sotheby's. As vendas registradas pela empresa em 2012 totalizaram quase um bilhão de dólares e suas salas de leilão vibram com a energia de milhares de novos consumidores ansiosos por comprar uma peça de sua história cultural, ou investir no recente boom da arte no país.
Porém, embora o mercado de arte da China continue robusto - os US$ 14 bilhões em vendas registrados este ano o tornam o segundo maior do mundo, atrás apenas dos EUA - também está repleto de fraudes, falsificações e calotes que, segundo os especialistas, estão acabando com a confiança do consumidor.
Temendo que todos os compradores fujam do mercado, os ministério do governo e a Associação de Leiloeiros da China estão pressionando para que sejam criadas mais medidas corretivas, incluindo exigir que as casas de leilão informem as vendas não concretizadas e o treinamento de especialistas mais capazes de identificar falsificações. À primeira vista, a Poly Auction, na qualidade de empresa estatal responsável por 11% do faturamento nacional com leilões, seria o lugar ideal para começar a colocar o plano em prática. Porém, está se tornando claro que a empresa poderosa, ao invés de servir como um instrumento de reforma, pode gerar um desafio formidável para o governo. Além dos 55% de controle estatal, a Poly Auction faz parte de uma empresa orgulhosa de sua origem militar, do grande número de interesses comerciais e das relações íntimas com os escalões mais altos do governo chinês, diferentes fontes de influência que, segundo os críticos, ajudam a proteger a empresa da nova onda de regulamentações.
No ano passado, um estudo do setor revelou que a Poly possuía um dos piores registros de compradores inadimplentes, um problema frequente no mercado de arte chinês. Quando as casas de leilão não informam essas transações não concretizadas, como foi o caso da Poly, o total de vendas informado pelo empresa excede os números reais. E diferentemente dos concorrentes, a Poly impediu nos últimos anos que a associação de casas de leilão publique listas detalhadas com as vendas da empresa.
Thomas Galbraith, analista do mercado de arte de Nova York especializado no mundo da arte da China, afirmou que a atitude da Poly é um obstáculo para aqueles que estão tentando estabelecer padrões para o mercado. - Algumas pessoas do setor e do governo desejam introduzir as regulamentações no mercado, ao passo que outras não veem nada de errado com o mercado atual - , afirmou.
A Poly tem seus defensores, mesmo entre os funcionários da associação que está tentando acabar com a bagunça no setor, e muitos dizem que o estudo e os críticos estão sendo injustos com a empresa. - O governo possui um política mais rígida para empresas estatais do que para empresas privadas - , afirmou Zhao Xu, diretor executivo da empresa. De toda forma, muito embora a Poly seja apenas uma das mais de 350 casas de leilão da China, seu tamanho e alcance impedem que qualquer iniciativa real para eliminar as irregularidades tenham condições de ir adiante sem a sua participação.
- No mercado de arte da China, a Poly é um problema impossível de ignorar - , afirmou Nancy M. Murphy, especialista em leis e regulamentos do mercado de arte chinês e advogada na Jincheng, Tongda & Neal, em Pequim.
A influência da Poly Auction no mundo da arte vem, em grande parte, de sua empresa controladora, uma empresa com 30 anos de história, cujos fundadores incluem diversos nomes de peso do Partido Comunista. Um dos fundadores, Wang Jun, é filho de um parceiro próximo de Mao. Outro, He Ping, é um general aposentado casado com a filha de Deng Xiaoping, que liderou a China durante boa parte dos anos 1980 e 1990.
Nos anos 1980, o Poly Group começou a reinvestir o lucro da venda de armas em outros setores da economia, incluindo hotéis e torres comerciais. À medida que os chineses se tornavam mais ricos, a empresa expandiu as atividades para o setor de cultura, abrindo teatros e casas de show.
Em 1999, a empresa ganhou presença no mundo das artes visuais quando abriu o Poly Museum, repleto de tesouros nacionais. Algumas dessas obras, atualmente nas galerias do nono andar da sede da empresa, foram trazidas de outros países, uma iniciativa que ajudou a Poly a ser muito bem vista em um país que ainda lida com as memórias tristes dos saques efetuados pelos poderes coloniais.
Quando a Poly entrou para o mercado de leilões há alguns anos, a venda de obras de arte chinesas de alta qualidade era uma exclusividade das casas de leilão estrangeiras em Hong Kong ou de uma empresa antiga e privada chamada China Guardian. Contudo, o mercado de arte da China estava crescendo rapidamente e - percebendo uma oportunidade - o Poly Group contratou o marchand Zhao para ser o diretor executivo da nova casa de leilões.
Em 2007, a novata Poly já registrava vendas similares às da Guardian. Com muito dinheiro em caixa, a empresa podia oferecer parte do dinheiro adiantado para os donos das obras e a rede ampla de contatos da empresa ajudou a atrair os novos ricos da China para os leilões, afirmam especialistas.
- Compradores individuais nos reconhecem como uma parte do governo. Eles confiam em nós, uma vez que somos parte de uma empresa estatal - , afirmou Zhao, de 44 anos.
Muitos atribuem a ascensão rápida da Poly à forma pessoal e enérgica com que Zhao trabalha. Alguns parceiros afirmam que ele é dono de um clube privativo ao lado da sede da Poly, onde ele enche a barriga de colecionadores importantes com vinho e boa comida, muito embora Zhao afirme que esses encontros sejam meramente sociais. Há quem diga que ele já foi atrás de um cliente caloteiro usando apenas uma toalha enrolada na cintura, depois de encontrá-lo em uma sauna.
- Zhao é como um general - , afirmou Yang Bin, um empresário rico e colecionador de arte que considera Zhao um amigo, em uma entrevista.
Zhao é dono de cerca de 18 por cento da casa de leilões, de acordo com registros da empresa, com outros investidores privados sendo donos de cerca de 27 por cento.
O Poly Group é supervisionado pela Comissão de Administração e Supervisão de Ativos Estatais, que monitora as 113 maiores empresas estatais da China. Entretanto, até mesmo profissionais especializados no funcionamento dessas empresas não sabem exatamente como a Poly funciona, como o poder é dividido internamente, para quem os executivos realmente respondem ou como os lucros são distribuídos.
Apesar de todo o conhecimento e influência de Zhao, é a relação da Poly com o Estado e o alcance das empresas afiliadas que permitiram sua ascensão no mundo da arte, afirmam especialistas. Eles dizem que, em função da ligação da Poly com as elites no governo chinês, ela possui mais liberdade para trazer e tirar relíquias culturais do país, além de enfrentar menos fiscalização da Receita Federal. Além disso, especialistas afirmam que a Poly também foi menos direta em relação às iniciativas autuais de reforma do mercado de arte da China, lideradas pela associação comercial, ao lado dos ministérios do comércio e da cultura.
Funcionários da Poly dizem que o poder da empresa e suas ligações como as elites militares muitas vezes são vistos de forma exagerada. - Somos uma empresa completamente normal. O Exército de Liberação do Povo não está por trás de nossa empresa - , afirmou Zhao.
A concorrência por compradores deve se tornar ainda mais intensa nos próximos anos, à medida que casas de leilão ocidentais começam a mergulhar de cabeça no mercado chinês. A Sotheby's formou uma joint venture com uma estatal chinesa, realizando um leilão em Pequim no mês de dezembro. A Christie's recebeu uma licença do governo para atuar livremente na China e realizou seu primeiro leilão no outono deste ano.
Questionado em uma entrevista se os concorrentes estrangeiros o preocupavam, Zhao deu de ombros. Para fazer negócios na China, com seus costumes e características culturais únicos, as coisas não são tão simples quanto abrir uma barraquinha, indicou.
- Eles não estão qualificados para serem nossos concorrentes por enquanto - , afirmou a respeito da Christie's e da Sotheby's.