Quase quatro anos após o terremoto que devastou o Haiti, Darline Saint Luc, de 13 anos, é uma das centenas de milhares de pessoas que ainda estão sem teto. Ela e a família sobrevivem em uma barraca cheia de goteiras e infestada de ratos feita com sacos velhos dos grãos da USAID, e ela afirma que às vezes passa dias sem comer.
Já faz meses que Darline comeu um pedaço de carne, e ela diz que não lembra bem que sabor tem os ovos. O seu pai morreu este ano, e ela teve de sair da escola porque não tinha condições de pagar os 200 dólares necessários para o uniforme escolar, calçados, livros e suprimentos.
No entanto, desde dezembro, Darline voltou a estudar por causa de uma haitiana que transformou uma câmara de tortura em escola - apoiada por alunos do ensino médio de Los Altos, na Califórnia, que arrecadaram o dinheiro para isso.
Vamos reconhecer que o Haiti é a prova cabal para muitos que acham que a ajuda humanitária estrangeira é, nas palavras do falecido Senador americano Jesse Helms, "dinheiro jogado fora". Bilhões de dólares entraram nesse país e incontáveis trabalhadores humanitários dirigem em SUVs brancos, e não obstante, o Haiti permanece o país mais pobre do hemisfério.
Angus Deaton, economista de desenvolvimento da Universidade de Princeton, afirma que ele começou a carreira crendo na ajuda humanitária estrangeira, mas que gradualmente veio a concluir que ela não ajuda e é até mesmo prejudicial. Em seu novo livro, "The Great Escape" (A Grande Fuga em tradução livre, ainda sem título no Brasil), Deaton sugere que a ajuda humanitária alimenta a corrupção sem melhorar o crescimento econômico. Referindo-se aos trabalhadores humanitários, ele conclui: "Pessoas éticas e dedicadas estão causando mal".
Eu discordo, mas esse argumento é muito importante. E um ponto de partida é reconhecer que a ajuda humanitária às vezes não foi eficiente porque tinha a intenção principal de sustentar aliados, ou apoiar os negócios americanos. Deaton afirma que uns 70% da ajuda humanitária dos Estados Unidos pode nunca chegar ao país de destino, pelo menos em dinheiro - assim não é surpreendente que ela nem sempre ampare as vidas de haitianos como Darline.
Mais amplamente, quer a ajuda melhore ou não o crescimento econômico, ela indubitavelmente salva vidas. A taxa de mortalidade infantil no Haiti foi reduzida para quase a metade desde os anos 90. De igual modo globalmente a ajuda humanitária dramaticamente reduziu as mortes de crianças e, após um retardamento, reduziu as taxas de natalidade também. Aqui no Haiti, as mulheres têm em média 3,3 bebês atualmente, uma queda acentuado quando comparada a aproximadamente seis bebês nos anos 80.
O impacto da ajuda no crescimento econômico é mais complicado. Contudo, existe razão para pensar que, na medida em que as pessoas se tornarem mais educadas e nutridas, elas se tornarão mais produtivas e exigirão uma melhor governança econômica, criando o fundamento para melhores taxas de crescimento.
E se o Haiti é a prova cabal para os céticos, vale a pena notar que o país está caminhando novamente. A economia está crescendo mais rápido do que a da América, os sequestros estão em queda e novas fábricas de vestuários estão recuperando o setor industrial. E os haitianos em si estão se reforçando para criarem as suas próprias redes assistenciais para garotas como Darline - porque eles veem que o tipo certo de ajuda humanitária pode atingir resultados impressionantes.
A escola que Darline frequenta foi fundada por Rea Dol, de 46 anos, que cresceu na pobreza na zona rural do Haiti. Dol abandonou a escola no oitavo ano, e depois voltou para a escola intermitentemente. Finalmente, Dol criou um programa de alfabetização e depois uma escola alojada em uma antiga base secreta da polícia com uma câmara de tortura.
Esta escola, chamada de Escola SOPUDEP em homenagem a uma comunidade local que a apoia, agora atende 835 crianças de baixa renda da pré-escola até o 3º ano do ensino médio. Dol solicita taxas escolares àqueles que podem pagar, porém, quando não há dinheiro, ela às vezes, suspende a taxa e até mesmo fornece o uniforme e os livros de graça.
A escola é um casamento exemplar entre a liderança local e os doadores estrangeiros. Uma fundação canadense tem apoiado bastante, e Dol uma vez se deparou com Seth Donnelly, um professor da Escola de Ensino Médio de Los Altos, em uma pousada no Haiti. Isso levou os alunos de Los Altos a arrecadar 200.000 dólares, possibilitando que Dol assumisse duas outras escolas no Haiti e começasse a construir uma escola nova e grande.
Ajudar as pessoas é mais difícil do que parece, tanto para Dol quanto para os grupos internacionais de ajuda humanitária. Após o terremoto, os patrocinadores canadenses lhe enviaram um container de seis metros com livros e roupas, mas a alfândega haitiana confiscou e reteve o container por um ano, e depois cobrou 15.000 dólares de encargos e taxas de armazenamento - uma quantia que os doadores tiveram de arrecadar.
No entanto, Dol continua batalhando e trabalha intimamente com uma rede de outros haitianos também tentando construir um Haiti melhor. Ela entregou alguns dos livros para apoiar uma nova biblioteca para Sakala, um programa que promove a educação em uma favela notória chamada Cité Soleil (Cidade do Sol em Francês).
Daniel Tillias, um haitiano que é líder do programa Sakala, afirma que a biblioteca mostra que o povo local pode resolver os seus próprios problemas e superar uma cultura de dependência e passividade centrada na ajuda humanitária.
- As pessoas dizem, 'Por que devemos construir uma biblioteca? A UNICEF deveria construir para nós' - , Tillias declarou. - As pessoas precisam entender que a única pessoa que pode criar uma vida melhor para elas são elas mesmas -
Darline ainda enfrenta grandes desafios. Ela nunca viu um médico ou um dentista na vida. Ratos circulam no entorno de sua casa e nas dependências públicas. E agora que ela tem 13 anos, homens a assediam; ela se preocupa que, com a insegurança do acampamento provisório dominado pelo crime onde mora, ela pode ser estuprada, como duas das suas irmãs foram.
- Quando vou ao sanitário, os homens são mais assustadores que os ratos. Posso matar os ratos, mas não posso matar os homens -
Neste ambiente sombrio, a escola oferece um raio de esperança de um futuro melhor. Darline tem uma refeição de graça todos os dias na escola, assim a sua nutrição melhora e ela está menos anêmica.
Eu estava na sua cabana quando Dol entregou à Darline um uniforme escolar e disse para a sua família que Darline podia voltar às aulas. A família ficou esfuziante, e Darline agora está sonhando com a formatura no ensino médio, e talvez até mesmo entrar na faculdade através de um fundo universitário que Dol criou na SOPUDEP.org.
Agora, outras cinco crianças morando perto de Darline vão à escola a fim de ver se elas também podem conseguir uma educação de graça. Dol está lutando para encontrar a verba para fazer isso acontecer - porque todos nesta favela veem que o tipo certo de ajuda pode, de fato, transformar a vida de uma criança.
Ajuda humanitária
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