Eles desfiguraram os pôsteres de Britney Spears, desprezaram o trabalho humanitário de Pamela Anderson e ameaçaram Lady Gaga e as participantes do concurso Miss Mundo; agora, os muçulmanos radicais da Indonésia, em parceria com a base política islâmica, estão de olho em outros alvos: Johnnie Walker, uma cerveja local premiada chamada Bintang e até os drinques exóticos com cerejas e guarda-chuvinhas, tão apreciados pelos visitantes estrangeiros.
Um projeto de lei enviado ao Parlamento no início do ano que pede a proibição do consumo de bebidas alcoólicas no país de maior população muçulmana do mundo gerou inquietação entre os moderados e pavor naqueles que ganham a vida com o turismo, desde os hotéis de luxo da capital, Jacarta, aos quiosques de praia, passando pelos restaurantes temáticos da ilha de Bali.
Depois das severas críticas iniciais, o Partido Unificado do Desenvolvimento, que foi quem criou a medida, diminuiu o tom e disse que queria apenas uma regulamentação mais abrangente sobre a venda de bebidas.
O problema é que seus representantes não divulgaram uma nova versão do projeto e os grupos mais conservadores já disseram que farão lobby por uma legislação mais rígida naquele que deve ser um debate formidável no Parlamento nas próximas semanas.
Assim, permanece o temor de que, mesmo em um país com longa tradição de moderação religiosa e liderado por um governo secular, a proibição acabe vingando. Segundo os críticos, os legisladores podem apoiar a medida para atrair o voto dos eleitores islâmicos conservadores nas eleições do ano que vem.
Antes da votação de 2009, um cenário semelhante levou à aprovação de uma lei polêmica de moralidade (e hoje pouco respeitada) que proíbe obras de arte, filmes e músicas que "possam estimular/despertar o desejo sexual e/ou violar os valores morais"; em setembro, o governo exigiu que a final do concurso de Miss Mundo, que alguns islamistas denunciaram como imoral, saísse de Jacarta e fosse realizada em Bali, predominantemente hindu.
Nyoman Suwidjana, secretário geral do Comitê de Turismo de Bali, disse que a criminalização da bebida alcoólica teria um "impacto significante" na economia da ilha, que depende quase que exclusivamente do turismo e atraiu 2,9 milhões de visitantes em 2012, um número recorde.
- Não é concebível que um partido tente impor seus valores aos outros - , observando que, não só os estrangeiros, mas as minorias cristã, hindu e budista não proíbem o consumo de bebidas. - Dá para imaginar um grupo de turistas escondendo garrafas de cerveja na praia? -
O projeto de lei foi submetido ao Parlamento em janeiro, sem alarde, pelo Partido Unificado do Desenvolvimento, cuja plataforma de governo já inclui a proibição.
- É o objetivo de muitas regiões, mais por causa da criminalidade e dos problemas sociais e de saúde que acarreta - , diz o parlamentar Ahmad Yani, que negou em entrevista que o projeto esteja de alguma forma ligado às eleições de 2014.
Qualquer que seja o resultado, a proposta de proibição, que existe há décadas, ganhou força em julho, quando a Suprema Corte anulou o decreto presidencial de 1997 que impedia os governos locais de criminalizar a produção, a venda e o consumo de bebidas alcoólicas. A decisão manteve uma petição da Frente de Defensores Islâmicos, um grupo conhecido por quebrar bares considerados afronta ao Islã e fechar igrejas cristãs e mesquitas das minorias muçulmanas.
Em 2006, a organização entrou na Justiça contra a Playboy indonésia, cujo editor foi mais tarde condenado à prisão por "indecência pública", embora a revista não publicasse fotos de nudez. (A Suprema Corte anulou essa decisão oito meses depois.) Além disso, ao lado de outros grupos extremistas, já conseguiu forçar o cancelamento de um show de Lady Gaga que deveria ser realizado em Jacarta em 2012.
- Eles usam temas espinhosos e polêmicos, como Lady Gaga ou o consumo de bebida alcoólica para se consolidarem - , afirma Fajar Riza Ul Haq, diretor executivo do Instituto Maarif, uma ONG que promove a tolerância religiosa.
- Essas coisas geram oportunidades excelentes para ganharem publicidade; depois, é só torcer para ganhar o apoio público - , conclui. Novel Haidar, secretário do grupo para a filial de Jacarta, garante que a iniciativa não é apenas para chamar a atenção, mas sim parte do objetivo do grupo de transformar a Indonésia em um Estado islâmico.
- O álcool traz mais desvantagens que vantagens. Bali tem outras fontes de renda além da gerada pela bebida ? belas atrações naturais, hotéis e resorts maravilhosos. A proibição só vai deixar a ilha ainda melhor - , arremata.
Nick Ryan, um eletricista de 38 anos de Gold Coast, na Austrália, não concorda. Sentado no bar de Legian Beach, no sul de Bali, com uma Bintang na mão, ele riu quando ouviu o plano da proibição. - Eu nunca mais poria os pés aqui - , sentenciou.
A mulher, Kym, é agente de viagens e confessa achar bem difícil explicar ao cliente que ele pode gastar para comprar a passagem e se hospedar em um hotel, mas não para degustar um copo de vinho ao jantar. - Se a pessoa não pode beber um drinque na piscina, é claro que simplesmente vai optar por outro lugar, tipo a Tailândia - .
Deitada na praia, a turista francesa Anna Duron, 35 anos, diz que, se instaurar a medida, a Indonésia vai "dar um tiro no pé."
- Por que fazer uma coisa dessas? Existe alguma questão social por trás da medida? Sempre amei a Indonésia justamente porque há espaço para o Islamismo, como também para todas as outras religiões - , conclui.
Alessandro Migliore, presidente da Associação de Hotéis de Bali, confessa que nem imagina o efeito que uma proibição dessas causaria na ilha.
- A grande maioria dos indonésios não concorda com esses grupos, mas o problema é que ela se mantém em silêncio - , reflete.
Haidar disse que embora seu grupo continue aguardando e monitorando o resultado do projeto de lei, não espera proibição nacional, afinal uma decisão recente da Suprema Corte permite que os governos regionais o façam localmente.
- Cerca de 351 distritos, subdistritos, cidades e aldeias já aprovaram a proibição de bebidas alcoólicas nos últimos quinze anos e a reversão da decisão pela Suprema Corte as torna legais novamente. Agora o que vamos fazer é verificar se estão sendo cumpridas e tentar convencer as que faltam para que seja uma manifestação unânime e legítima. -
Que a Frente de Defensores Islâmicos não espere, porém, que Badung, onde fica Legian Beach e 80 por cento dos turistas estrangeiros, aceite a decisão tranquilamente.
Um bartender indonésio que não quis se identificar, disse que os balineses continuam com raiva dos atentados perpetrados na ilha em 2002 e 2005 por militantes islâmicos de Java e contrariariam quaisquer tentativas de proibir o consumo de bebidas alcoólicas, dada sua grande dependência do turismo.
- Não somos um país só muçulmano; somos 240 milhões, não existem só eles. Que ideia maluca. Eles têm mais é que voltar se arrastando para o mar, cara. -
Projeto de lei
Proposta que prevê a proibição do consumo de bebidas alcoólicas gera polêmica na Indonésia
Críticos afirmam que a medida visa atrair eleitores islâmicos conservadores para as eleições que ocorrerão em 2014
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