Monges budistas em vestes vermelhas folgadas se apressaram pelas estradas de terra do Monastério de Labrang, se esforçando o máximo para ignorar a multidão de turistas chineses seguindo cada movimento deles, muitos com câmeras próprias para paparazzi.
Os peregrinos e os menos inclinados à espiritualidade percorreram o complexo ornado aqui na cidade montanhosa de Xiahe a fim de ver as elevadas estátuas de Buda cobertas de incenso. Alguns turistas se atrasam por se entregarem às atividades distintamente não iluminadas, como fumar cigarros e fazer bico em seus smartphones no ritual de vaidade high-tech conhecido como o autorretrato.
Um dos mais importantes locais do budismo tibetano, Labrang apresenta uma imagem idílica da devoção sagrada sob a cuidadosa curadoria do governo chinês, que espera convencer os visitantes de que a religião e cultura do Tibete estão envolvidas no abraço benevolente do Partido Comunista.
Porém, por trás das portas fechadas, muitos dos monges moradores do monastério reclamam das políticas intrusivas do governo, invisíveis aos turistas, que afirmam estarem asfixiando a cultura e identidade deles.
- Mesmo que estejamos apenas rezando, o governo nos trata como criminosos - , declarou um monge jovem que, como muitos outros recém-entrevistados, falou sob a condição de anonimato para evitar represálias do governo.
Tais frustrações, muitos monges afirmam, são o que fizeram com que mais de 120 tibetanos se incendiassem desde 2009, inclusive 13 na região de Labrang, em uma onda de protestos que na maioria não foram veiculados nos noticiários chineses.
Defensores dos direitos humanos internacionais afirmam que em vez de tratar das queixas subjacentes, - inclusive fazendo uma campanha de Pequim profundamente impopular para demonizar o Dalai Lama, o líder espiritual tibetano exilado - as autoridades chinesas reagiram com políticas ainda mais rigorosas que punem os parentes dos que recorreram à autoimolação e prendem os que disseminam notícias dos protestos para o mundo externo.
Grupos de exilados e analistas dizem que Labrang e um punhado de outros monastérios do vasto planalto tibetano na Ásia Central se tornaram vitrines para a estratégia de Pequim, que busca reprimir a dissidência em cidades turísticas movimentadas sem espantar os visitantes.
Os monges aqui descrevem uma rede de controle bastante invisível que mantém potenciais agitadores na linha: câmeras de vigilância onipresentes, informantes pagos e agentes de segurança à paisana que se misturam com os turistas nos ônibus lotados. Escondidas das multidões existem as sessões de educação política durante as quais os monges são forçados a denunciar o Dalai Lama. Duras sentenças de prisão aguardam aqueles que saírem da linha. - Se não obedecermos, será terrível para nós - , o monge disse.
Fundado no século 18, o Monastério de Labrang localiza-se nas colinas escuras da província do noroeste de Gansu. Diariamente, centenas de turistas chineses chegam para girar rodas de oração coloridas que cercam o perímetro do monastério e para bebericar chá nos hotéis projetados para lembrar as tendas dos nômades tibetanos. Ao longo da rua principal da cidade, eles compram amuletos incrustrados com turquesa, se vestem com roupas de monge e revezam no cerimonial de chapéus amarelos que lembram o corte de cabelo moicano. As autoridades esperam que um aeroporto recém-criado atraia multidões ainda maiores.
No pátio de um monastério cercado por muros de taipa caiados, uma família chinesa da capital provincial, Lanzhou, se ajoelhou para rezar a Buda. - Se você pedir gentilmente, ele realizará o seu sonho - , disse a mãe, Ming Yang, que reconheceu que o seu entendimento do budismo terminava ali.
De olho no prestígio lucrativo da lista do Patrimônio Mundial da Unesco, o governo central está dando ao monastério uma cirurgia plástica de 26 milhões de dólares. Cerca de 1000 monges e 65.000 volumes de escrituras budistas são abrigados no extenso complexo, que as autoridades locais afirmam precisar urgentemente de melhorias estruturais.
No entanto, os moradores locais reclamam que muito da construção é focada no aumento do turismo, em vez de beneficiar os tibetanos. - arece chique, mas na realidade todas as melhorias são para o povo chinês - , alguém comentou.
O turismo está rapidamente reformulando a maioria do planalto tibetano. Segundo a agência de notícias do governo Xinhua, seis milhões de turistas visitaram Lhasa, a capital da Região Autônoma do Tibete, nos primeiros oito meses deste ano, um aumento de 20 por cento em relação ao mesmo período em 2012. O crescimento atraiu várias redes internacionais de hotéis para a cidade, que na prática vive sob lei marcial.
Em maio, grupos de exílio tibetanos começaram uma campanha de boicote contra o Grupo de Hotéis Intercontinental, que está construindo um resort de luxo com 2000 quartos perto da residência histórica que foi ocupada pelo Dalai Lama.
Devido a protestos violentos contra a China que varreram o Tibete em 2008 e a onda de autoimolações que seguiu, as forças de segurança intensificaram o controle. A repressão vai fundo no seio da espiritualidade tibetana. Segundo a Campanha Internacional pelo Tibete, as autoridades colocaram avisos em regiões tibetanas declarando que é proibido rezar para os que recorreram às autoimolações ou demonstrar solidariedade - queimando incenso, entoando escrituras religiosas, libertando animais da morte e acendendo velas - . Pelo menos dois monges foram presos por rezar para os que recorreram à autoimolação, o grupo declarou.
Os grupos de exilados afirmam que tais táticas apenas alienam ainda mais os tibetanos. - Até mesmo acender uma lâmpada de manteiga ou um incenso se torna um ato contra o Estado - , Kate Saunders, diretora de comunicações da organização, disse de Londres.
No entanto, a aplicação da lei tem sido irregular. Em nenhum lugar isto fica mais evidente do que em Labrang, onde uma foto emoldurada do Dalai Lama repousa em um altar ao lado de um Buda enorme dourado. Há anos, o governo proíbe fotos do Dalai Lama e proíbe que os tibetanos o adorem como uma figura religiosa. Os monges em Labrang disseram acreditar que as autoridades locais tenham decidido silenciosamente tolerar tais fotos em uma tentativa de impedir maiores agitações.
Em uma excursão, poucos dos viajantes diários chineses pareceram reconhecer o homem mais velho de óculos que Pequim chama de "um lobo em pele de ovelha. O monge guiando o grupo não mencionou nada sobre a sua identidade para não ameaçar as vendas de ingressos e as doações necessárias para cobrir os custos operacionais.
No entanto, ser a principal atração de um safari budista tem suas desvantagens espirituais.
"Os turistas chineses simplesmente irrompem quando estamos estudando", um monge de meia idade disse enquanto mexia em um conjunto de contas para oração. - Isso bate em nossas cabeças, mas eles não se importam - .
Tais queixas parecem não ser ouvidas. Durante uma viagem em julho, a autoridade máxima responsável pelas minorias étnicas da China, Yu Zhengsheng, insistiu que o desenvolvimento econômico seria a panaceia para o que afligia os tibetanos. No mesmo fôlego, ele condenou o "caminho do meio" do Dalai Lama, que exige a autonomia verdadeira no Tibete, porém não a independência, dizendo que ela entra em conflito com o sistema político da China.
- Apenas quando as vidas das pessoas melhorarem, elas poderão ser mais bem unidas ao Partido Comunista Chinês e se tornarão uma base confiável para a manutenção da estabilidade - , disse, segundo a Agência Xinhua.
Entretanto, os tibetanos locais ficam furiosos com a recusa da China de reconhecer as suas aspirações mais básicas. - A nossa esperança é de que o Dalai Lama possa retornar - , disse um monge, procurando espiões enquanto se sentava em uma lanchonete. - Sem ele, não existe chance de sobrevivência da nossa religião e cultura - .
Tibete
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