Recentemente no final de uma noite, multidões se reuniram em frente ao café Radio Bubble, no centro de Atenas, para beber cerveja e falar de política. O café no bairro estiloso, mas pouco rebuscado, de Exarchia patrocina uma pequena estação de rádio de esquerda com o mesmo nome, cuja programação vai ao ar no interior do café.
Mesas enchiam as calçadas, onde os clientes fumavam cigarros enrolados à mão e a conversa resvalava inevitavelmente na decisão unilateral do primeiro-ministro Antonis Samaras de fechar a rede de rádio e TV Hellenic Broadcasting Corp., conhecida como ERT, do dia para a noite, transformando uma instituição que era famosa por ser um celeiro de nepotismo e apadrinhamento em um verdadeiro mártir da liberdade de imprensa.
- Quando uma guerra começa, eles enviam exércitos para proteger a TV pública- , afirmou Apostolis Kaparoudakis, um dos fundadores da Radio Bubble em 2007. - Aqui eles mandam o exército para fechá-la- .
Enquanto uma música dos Beastie Boys tocava ao fundo, Kaparoudakis afirmou que havia aberto a Radio Bubble para tocar música boa, "o que por si só já é uma atitude política", mas também como uma forma de desafiar a mídia tradicional na Grécia, que pertence quase exclusivamente à elite comercial do país, que frequentemente dita as linhas editoriais.
A estação de rádio, que tem uma presença ativa no Twitter, é um dos muitos veículos pequenos e com tendências de esquerda que surgiram na Grécia nos últimos anos. Embora o público ainda seja relativamente modesto, as rádios têm um papel cada vez mais vital no diálogo, em grande parte porque questionam as estruturas de poder dominantes do país.
Antes mesmo da chegada da crise econômica, pesquisas mostravam que os gregos não confiavam na grande mídia, tanto quanto não confiavam nos políticos, pois acreditavam que ambos estivessem interligados em um tipo de capitalismo de compadrio que ajudou a levar o país à bancarrota.
Agora, após quatro anos de crise, os gregos estão ainda mais céticos em relação aos conglomerados da grande mídia e ainda mais sedentos por informações de fontes não tradicionais, especialmente se eles não concordam com a postura do governo, segundo o qual a única alternativa para a Grécia são as políticas de austeridade exigidas pelos credores internacionais.
- Ninguém consegue mais confiar - , afirmou Ioanna Vovou, professora de estudos de mídia na Universidade Panteion, em Atenas. - É verdade que as pessoas, especialmente as mais jovens, estão se voltando para fontes de informação alternativas - .
Ao mesmo tempo, a crise econômica gerou uma especulação cada vez maior sobre os verdadeiros responsáveis pela miséria da Grécia, abafando informações confiáveis com uma barulheira de teorias da conspiração. Porém, a mídia alternativa tem feito grandes esforços para acabar com a falta de confiança, incentivando o jornalismo cidadão e abordando tópicos considerados tabus pela mídia tradicional.
Algumas fontes de notícias, como a Radio Bubble, a revista Unfollow e o portal online The Press Project, têm tendências de esquerda e criticam a coalização do governo de Samaras, uma aliança desconfortável entre o partido de centro-direita, Nova Democracia, e os socialistas.
A mais interativa das três, a Radio Bubble convoca o público a usar o Twitter para enviar imagens e novidades com a hashtag #rbnews quando as histórias são contadas. As informações twitadas ajudam a exibir uma imagem mais completa de eventos caóticos, como protestos nas ruas, quando os manifestantes entram em conflito com a polícia, que costuma atirar bombas de gás lacrimogênio.
- Dizemos que somos uma mídia cidadã, não uma mídia alternativa - , afirmou Theodora Oikonomides, antiga editora da Radio Bubble que trabalhava em projetos internacionais de ajuda humanitária até voltar para a Grécia em 2009. Kaparoudakis acrescentou: - Não queremos público, queremos cidadãos- .
Ele contou que a estação ganhou vida própria em dezembro de 2008, quando passou a dar notícias dia e noite sobre as manifestações em Atenas, depois que um policial matou um menino de 15 anos. Atualmente, a Radio Bubble tem cerca de 9.000 seguidores no Twitter e transmite cerca de 100.000 horas de programação todos os meses na rádio online. A arrecadação do bar cobre os custos operacionais e apenas os funcionários e os dois fundadores da rádio recebem salários.
Veículos de informação como o Unfollow e o The Press Project tentam fazer jornalismo investigativo em um país que nem sempre aceita a empreitada. Em 2013, a Grécia caiu 14 posições e chegou ao 84o lugar no Índice de Liberdade de Imprensa dos Repórteres Sem Fronteiras. (A Finlândia ficou em primeiro lugar, a Alemanha em 17o e os Estados Unidos em 32o.)
A Unfollow, que tem entre 7.000 e 8.000 assinantes, ganhou fama este ano quando foi processada por Dimitris Melissanidis, chefe da Aegean Oil, depois de uma reportagem sobre uma ação contra um membro de sua família acusado de contrabandear combustível, que caminhava lentamente nos tribunais. As acusações foram retiradas depois do fim do estatuto de limitações. A revista enfrenta agora um segundo processo por calúnia e difamação por outro artigo escrito a respeito de um empreendimento da família de Melissanidis.
- O que estamos fazendo na Unfollow é um serviço que seria impossível na grande mídia, em função de suas conexões com o empresariado, que impõe suas vontades e pontos de vista - , afirmou Aris Chatzistefanou, um dos fundadores da revista e documentarista cujo filme "Debtocracy" argumenta que a Grécia deveria abandonar o euro.
Chatzistefanou acrescentou: - Geralmente eles dizem que é o governo que controla a mídia, mas acho que o que acontece é justamente o contrário; são as elites econômicas que controlam o governo - .
Depois que o governo fechou a ERT, o The Press Project passou a transmitir o sinal da ERT em uma plataforma independente. (Já que a ERT continuou em operação com a ajuda de 600 funcionários não remunerados.)
Quando o projeto pegou o sinal da ERT, - foi um teste de que poderíamos fazer isso, de que poderíamos transmitir um sinal de TV para a Grécia toda - , afirmou Costas Efimeros, que começou o The Press Project em 2010 como um projeto paralelo de sua empresa de TI, com diversos sites lucrativos de carros e esportes.
Em outubro, o The Press Project inaugurou uma versão em inglês do site. O projeto também estudou a possibilidade de criar um canal de TV online. O site não aceita propagandas de bancos ou organizações governamentais, - uma vez que essas fontes de informação na Grécia estão ligadas à manipulação de informação - , escreveu na missão da empresa.
Ainda em 2009, quando a crise atingiu o país, - sentimos que havia um grande buraco na mídia - , afirmou Efimeros, sentado no escritório em sua empresa em Gazi, uma antiga área industrial convertida no centro de Atenas. - Queremos criar um veículo de informação que possa discutir a situação da mídia grega - , acrescentou.
Efimeros disse que apoiou o Syriza, o maior partido de oposição do país, e que sua empresa opera sites ligados a esse e a outros partidos políticos da Grécia. O The Press Project, que conta com colaboradores que já trabalharam com o The New York Times, conseguiu um furo em outubro, com a história de um parlamentar do Syriza que estava sendo investigado por evasão fiscal, um caso que prejudicou a imagem do partido, que se apresentava como uma alternativa limpa aos grandes partidos.
À medida que cresce o descontentamento com o governo e canais com dificuldades financeiras preferem passar reprises ao invés de programas originais, sites alternativos podem ganhar ainda mais popularidade.
- No ano passado, meu pai e minha mãe abriram contas no Twitter - , afirmou a jornalista freelance Janine Louloudi, de 30 anos, no café Radio Bubble. - Também vi essa mudança ocorrer com as famílias de outras pessoas. Cada vez mais gente da idade dos meus pais vai começar a buscar notícias na internet -
- O que aconteceu com a ERT deu início a um debate sobre o tipo de mídia que queremos - , afirmou outro jornalista jovem, Vassilis, que não quis revelar o sobrenome, pois é apresentador de um programa na Radio Bubble com o pseudônimo de Polyphemus, como o ciclope mítico. "Porque", afirmou citando uma variação do velho ditado, - em terra de cego, quem tem um olho é rei - .
Comunicação
Mídias alternativas começam a ganhar espaço e importância na Grécia
Após quatro anos de crise, gregos estão mais céticos em relação aos conglomerados da grande mídia
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