As guerrilhas apareceram ao entardecer.
Exibindo fuzis de assalto, elas chegaram a uma fazenda de gado remota, escondidos em seus "para'i", ou camuflagem, de acordo com relatos feitos pelos sobreviventes em guarani, a língua indígena mais falada na fronteira norte do Paraguai. Eles sequestraram seguranças de uma fazenda com donos brasileiros, libertaram o supervisor, que correu para informar as autoridades, e montaram uma tocaia para os policiais que chegaram ao local.
Em agosto, quando o ataque bem organizado acabou, cinco pessoas foram mortas à bala, incluindo um policial. O ataque foi o mais mortal já realizado pelo Exército do Povo Paraguaio, ou EPP, um obscuro grupo rebelde marxista que exerce influência sobre uma área vasta dessa nação de 6,6 milhões de pessoas.
- Essa já é uma guerra declarada contra a república - , afirmou Francisco de Vargas, ministro do interior.
Insurgências de grupos como o Exército do Povo Paraguaio - que abate meticulosamente membros das forças de segurança em assentamentos em fronteiras remotas, coloca bombas sob os carros de policiais, sequestra e mata paraguaios ricos - encontram muito menos espaço de manobra na América Latina de hoje.
Por toda a região, muitos grupos desse tipo foram caçados ou incorporados por partidos de esquerda à medida que as ditaduras deram lugar à democracia e o descontentamento passou a assumir outras formas. Muito embora as guerrilhas persistam, elas diminuíram consideravelmente de tamanho, como no caso do Sendero Luminoso, do Peru, ou passaram a negociar tratados de paz com o governo, como no caso das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia.
Não podemos nos esquecer do Paraguai, um dos países mais pobres e desiguais da América Latina. Muito embora a economia vá bem, o Exército do Povo Paraguaio está se desenvolvendo e se transformando em um fantasma irritante para as autoridades da capital, Asunción, tornando-se uma ameaça ainda maior para o interior do país, que já é um eixo de traficantes de maconha, que cultivam desafiadoramente grandes plantações na região, e de cocaína levada dos Andes para o Brasil e a Argentina.
Quase tudo em relação ao Exército do Povo Paraguaio é causa de disputa, de seu tamanho a sua ideologia, com uma importante exceção: as operações do grupo se intensificaram este ano, apoiando-se em uma insurgência constante em áreas onde se acredita que as guerrilhas ganhem o apoio de agricultores pobres, afetados pela rápida expansão dos latifúndios de soja e gado.
O grupo está realizando ataque após ataque contra postos isolados da polícia e do exército, enquanto matam camponeses acusados de colaborar com as forças de segurança. Montando acampamentos temporários nas poucas áreas em que a densa Floresta Atlântica que já cobriu boa parte do Paraguai resiste, o grupo conseguiu escapar de uma campanha militar cujo objetivo era erradicá-lo.
Embora as estimativas oficiais do número de vítimas mortas pelo grupo sejam relativamente baixas, com poucas dezenas de pessoas, bolsões no norte do Paraguai se transformaram em zonas de guerra, à medida que o governo central aumenta as patrulhas militares e utiliza unidades de operações especiais para encontrar os guerrilheiros.
Em Tacuatí, uma cidade de 11.000 pessoas que muitos acreditam ser o bastião do Exército do Povo Paraguaio, policiais de vinte e poucos anos seguram nervosamente seus fuzis, observando os visitantes por trás de barreiras improvisadas com sacos de areia. Tanques de guerra passam pelas ruas de terra da cidade e caminhões levam membros da elite das forças armadas, com os rostos cobertos por bandanas.
- Os soldados acham que vão encontrar o EPP - , afirmou Elizabete Schneider, de 32 anos, dona de um mercadinho na estrada solitária que leva à cidade. - Mas as guerrilhas são como fantasmas. Ninguém as vê, ninguém fala sobre elas -
Unidades do exército caçando um grupo rebelde misterioso que é famoso por desaparecer: parece antigo o bastante para lembrar as velhas histórias do romance "O Cônsul Honorário" de Graham Greene, publicado em 1973, que fala justamente sobre as guerrilhas do Paraguai, lideradas por um padre renegado que sequestra o homem errado, um inglês beberrão.
Acredita-se que o Exército do Povo Paraguaio tenha sido criado em 1992 por aspirantes a padres, parecidos com os rebeldes do livro de Greene, depois de abandonarem o seminário. O grupo funcionava originalmente como uma célula de um partido de esquerda e esteve envolvido no sequestro em 2004 de Cecilia Cubas, de 32 anos, filha de Raúl Cubas, ex-presidente do Paraguai. O corpo dela foi encontrado em uma cova rasa nos arredores de Asunción em 2005, depois que a família pagou o resgate.
- O EPP é um grupo de marxistas que querem tomar conta do Paraguai - , afirmou Bernardo Cristaldo Mieres, de 35 anos, um padre católico da cidade de Choré cujo irmão mais novo, Manuel Cristaldo Mieres, um dos líderes do grupo, seria o idealizador do sequestro de Cecilia Cubas.
O padre afirmou que não fala com o irmão há nove anos.
- Eu não apoio essa violência - , afirmou.
As estimativas do tamanho atual do Exército do Povo do Paraguai variam de pouco mais de uma dúzia de combatentes corajosos, para mais de 150 pessoas, além de uma rede ampla de apoiadores em vilarejos pobres. O documento mais importante publicado pelo grupo, um manifesto escrito por Alcides Oviedo Brítez, um líder encarcerado, é - surpreendentemente raso e pouco impressionante - , segundo Andrew Nickson, especialistas em Paraguai da Universidade de Birmingham, na Inglaterra.
No manifesto, o grupo, que adotou o nome atual em 2008, propõe a destruição da "democracia imperial-burguesa" e elogia José Gaspar Rodríguez de Francia, o déspota que tentou isolar o Paraguai do restante do mundo no século XIX, estabelecendo uma política de Estado bizarra, enquanto declarava a si mesmo como o líder da Igreja Católica Apostólica Romana do país isolado.
Por trás de suas tendências nacionalistas, o Exército do Povo Paraguaio se opõe à agricultura industrializada, alimentando-se dos ressentimentos nas áreas rurais quanto à monocultura de soja (muitas das quais pertencem a brasileiros), recorrendo a e, muitas vezes, coagindo agricultores pobres em áreas onde a presença do Estado é mínima.
No interior do grupo, os desafios enfrentados pelos rebeldes são claros. Em áreas recentemente desmatadas, marcadas pelos fornos de tijolos usados pelos camponeses para transformar madeira em carvão, as plantações de soja ganham cada vez mais espaço. O desmatamento representa uma ameaça real para a existência dos grupos guerrilheiros, limitando a área em que podem se esconder das forças de segurança.
Em maio, as guerrilhas foram acusadas da morte de Luis Lindstron, de 63 anos, ex-prefeito de Tacuatí e dono de uma madeireira que foi morto a tiros em uma tocaia. O grupo o havia sequestrado em 2008, libertando-o depois de 40 dias de cativeiro.
Tentando acabar com os assassinatos, diversos líderes políticos buscaram eliminar o EPP. Em 2010, o então presidente Fernando Lugo declarou estado de emergência e enviou quase 200 soldados de elite, muitos dos quais treinados pelo exército dos EUA, para encontrar os rebeldes. Em 2011, o governo central tentou novamente, enviando cerca de 3.000 soldados e policiais para o território do grupo.
Embora algumas prisões tenham sido feitas, o grupo continua escondido. Aparentemente ele mudou recentemente de estratégia, concentrando-se menos em sequestros e mais no ataque a grandes propriedades na tentativa de extorquir dinheiro dos proprietários. O ataque realizado em agosto, pouco depois da posse do presidente Horacio Cartes, seguiu esse padrão.
Desde então, o Exército do Povo Paraguaio parece ter retomado os ataques contra as forças de segurança, incluindo uma cilada em outubro, na qual se acredita que os guerrilheiros tenham matado um policial em um comboio de veículos oficiais. Soldados saem todos os dias do novo posto avançado do exército paraguaio em Tacuatí, com uma série de tendas e acantonamentos que foram construídos nos últimos meses, para realizar patrulhas em busca dos rebeldes.
O clima em uma manhã recente estava bastante calmo para um posto avançado de combate aos rebeldes. Os oficiais bebiam tereré, a bebida mais comum do Paraguai, enquanto um aldeão aparecia com um carrinho de mão, vendendo cigarros Kentucky. Em uma das tendas os soldados assistiam "S.W.A.T.", um filme de 2003 com Samuel L. Jackson, em um notebook.
- Aqui é mais calmo que em Horqueta - , afirmou o Major Pedro Argüello, de 40 anos, referindo-se à cidade onde um policial do alto escalão havia sido morto poucas horas antes em um ataque atribuído ao EPP.
- Sabemos que os guerrilheiros estão por aí - , afirmou. - Só não sabemos onde -
Exército do Povo Paraguaio
Mesmo com perda de espaço na América Latina, guerrilhas seguem praticando ações violentas no Paraguai
Grupo Exército do Povo Paraguaio faz ataques a postos isolados da polícia e das forças armadas paraguaias
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