Uamunikaije Tjivinda estava agachada na areia e jogava algumas tiras de carne seca de girafa em uma panela com água fervendo. Assim como muitas mulheres Himba na região árida do noroeste da Namíbia conhecida como Kaokoland, ela usava sandálias, uma saia de pele de cabra e pouco mais. Sua pele e seus longos cabelos trançados tinham uma cor vermelho-ferrugem impressionante, coberta de ocre tirado da terra.
Das colinas da região, outras mulheres com crianças pequenas chegavam, se reunindo em silêncio ao redor da cabana abobadada de Tjivinda, com os olhos no chão. Da traseira de um Toyota Land Cruiser, minha esposa e eu tirávamos os presentes que havíamos trazido seguindo o conselho de nosso guia - fubá, chá, açúcar e outros suprimentos difíceis de encontrar por aqui.
Embora não seja mais uma novidade para essas mulheres, esse tipo de encontro com turistas ainda é novo o bastante para ser estranho. Elas só começaram a sorrir e a conversar quando a comida apareceu.
- A conservação tem sido boa para nós - , afirmou Tjivinda em Otjihimba, a língua local, traduzida por nosso guia. - Cuidamos dos animais selvagens como cuidamos de nosso gado e o dinheiro do turismo vai direto para nossa conta de conservação no banco - . As cabras passavam por nós enquanto as mulheres se sentavam para trançar os cabelos.
Por quase duas décadas, a Namíbia, um país duas vezes maior que a Califórnia, mas com apenas 2,1 milhões de habitantes, se tornou parte de um projeto ambicioso de turismo comunitário e preservação ambiental, conhecido como conservação comunitária. - A ideia era a de lutar contra a caça ilegal devolvendo o controle da vida selvagem aos moradores da região - , afirmou John Kasaona, diretor da Conservação da Natureza e Desenvolvimento Rural Integrado, a principal ONG por trás da iniciativa.
Em 1996, os trabalhos iniciais realizados pela organização abriram caminho para a criação de novas leis que davam às comunidades tribais - que tinham direitos limitados aos recursos das terras comunitárias - a capacidade de formar grupos de conservação e fazer a autogestão da vida selvagem.
- Nós queríamos mostrar a eles que eles poderiam se beneficiar financeiramente ao manter os animais vivos, especialmente por meio do turismo selvagem - , afirmou Kasaona, que passou anos percorrendo o interior do país e explicando o modelo de vilarejo em vilarejo. - Tente convencer as pessoas que ouviram as mesmas promessas ano após ano por parte do regime colonial, que foi lá e roubou suas terras - , afirmou. - No começo, ninguém confiava na gente - .
Nos anos que se passaram desde então, o plano se tornou uma história retumbante - e rara - de sucesso para a vida selvagem na África. Atualmente, 79 grupos de conservação cobrem 20% do território da Namíbia. As populações de leões do deserto, elefantes do deserto, e rinocerontes negros, todos ameaçados de extinção no início dos anos 90, cresceram várias vezes, ao passo que a caça ilegal despencou. (Apenas um rinoceronte foi morto para retirada do marfim no ano passado, comparado aos 668 na África do Sul). Enquanto isso, grupos de conservação de todo o país estabeleceram parcerias com agências de turismo internacionais, permitindo que viajantes comuns como eu tivessem um acesso sem precedentes à cultura e aos animais.
Porém, o aumento do número de animais - e do turismo - trouxe um novo e inesperado conjunto de desafios. - Estamos tendo alguns problemas com nosso próprio sucesso - , afirmou Kasaona, que cresceu pastoreando cabras em Kaokoland e cujos parentes ainda levam uma vida rural na região. - Como costumamos dizer, os leões e o gado não são os melhores amigos - .
Quase metade dos grupos de conservação da Namíbia e muitos dos projetos de turismo mais ambiciosos do país ficam na região de Kunene, no norte do país (da qual Kaokoland faz parte), um território de montanhas e vales secos do tamanho da Grécia, mas com menos de 90 mil habitantes. Enquanto dirigíamos em direção ao norte em um veículo 4x4 alugado, estradas de terra deram lugar às "rodovias de Kunene", estradas esburacadas que serpenteiam pelo deserto, cruzam leitos de rios secos e, às vezes, simplesmente desaparecem. Foi nesse cenário difícil que os grupos de conservação angariaram um de seus maiores sucessos, o retorno do rinoceronte negro, que estava ameaçado de extinção.
- Esses animais foram quase completamente exterminados por caçadores de marfim há 25 anos - , afirmou Aloysius Waterboer, guia do Desert Rhino Camp, uma pousada de tendas localizada em Damaraland, a terra tradicional do povo damara. Estávamos sacudindo dentro de um carro aberto para safaris, esperando encontrar um dos cerca de 30 rinocerontes que vivem atualmente na área.
O acampamento, onde foram montadas cinco tendas para os turistas, é a única coisa que pode ser vista em uma área de 4.403 quilômetros quadrados de montanhas rochosas e cerrado, emprestado pelos grupos de conservação da região, que também detêm 40% das ações do projeto. Quase 90 por cento dos funcionários, incluindo Waterboer, vieram das comunidades locais. Muitos dos especialistas em avistar os rinocerontes já foram caçadores. - Se você caça ilegalmente, o que você realmente quer é alimentar sua família - , explicou Waterboer. - Por isso, fazia sentido incluí-los na folha de pagamento - .
Quando a noite caiu no deserto, passamos pelo leito seco de um rio e paramos bruscamente. - Ele ainda não nos viu - , afirmou Waterboer, apontando para um ponto cinzento no horizonte. De repente, o rabo do rinoceronte ficou em pé e ele levantou a cabeça para sentir o cheiro no ar. Visto pelo binóculo, o macho de oito anos, que pode ser identificado pela ponta quebrada de um de seus chifres, parecia ser um bicho pré-histórico do tamanho de um carro.
Estava escuro quando voltamos para o acampamento e os guias fizeram questão de levar os hóspedes até suas tendas: um leão do deserto, outra espécie resgatada da extinção, foi visto em frente ao quarto dos funcionários na noite anterior.
- Os rinocerontes são muito bem aceitos pela população local agora - , afirmou Waterboer. - Com os leões a situação é mais complicada - .
No dia seguinte resolvemos ir ao território dos leões. Chegar aos campos no norte de Damaraland exige voos caros ou, em nosso caso, a coragem de chacoalhar os ossos em uma viagem por estradas esburacas. Todavia, a distância recompensou. Nos territórios de conservação, passamos de carro por elefantes do deserto reunidos sob acácias e girafas angolanas que nos observavam. Contudo, o ressurgimento da vida selvagem também tem seus problemas. - É uma luta constante entre o gado e os animais selvagens pelos recursos - , afirmou Dux Tjipombo, guia do Acampamento Comunitário de Purros, um pequeno acampamento que pertence a um grupo de conservação, aonde chegamos após meio dia de viagem.
Passando um afluente do Rio Hoarusib, saímos da estrada. Ali perto, agricultores haviam encontrado um bando de oito leões suspeitos de matarem dois animais uma semana antes. "É preciso entender que o gado é a fortuna dessas pessoas", afirmou Tjipombo. - É o mesmo que alguém roubar seu dinheiro no banco - .
Philip Stander, biólogo da Namíbia que dedicou a carreira para proteger os leões do deserto do país, passa 350 dias por ano na mata em seu Projeto de Proteção do Leão do Deserto, do qual é o único integrante. Desde 1998, ele acompanha esses animais únicos, que passam meses e até anos sem beber água, hidratando-se apenas com a carne que comem, e cuja população passou de 20 para 150 animais. - A questão é o que vai acontecer daqui para frente -, afirmou.
De volta ao rio, os leões não foram vistos em lugar algum. Passamos da última cidade do mapa, que era pouco mais que um círculo de cabanas com teto de zinco. Miragens bruxuleavam no horizonte, enquanto um vento quente levantava o chão empoeirado. O terreno inóspito marcava o limite de Kaokoland, uma das partes mais selvagens e menos povoadas da Namíbia, além de lar do experimento de turismo comunitário mais incomum do país.
O primeiro acampamento turístico do povo Himba, uma das últimas tribos realmente seminômades do país, fica no topo de uma montanha dentro do território de conservação de Orupembe. Inaugurada em 2011, a Pousada de Tendas de Etambura - com cinco tendas confortáveis com tetos de palha, chão de concreto e até banheiros internos - fica a centenas de quilômetros da rua asfaltada, ou do vilarejo com luz elétrica mais próximos. Muitos dos himba que são donos do lugar vivem nos vales ao redor, fazendo o pastoreio de cabras e gado, e vivendo em cabanas de pau a pique como as de séculos atrás.
Mais do que a vida selvagem, são as pessoas que atraem os visitantes.
- , afirmou, - Antes de o acampamento ser inaugurado, praticamente não havia turistas nesta área do país- , afirmou, - , afirmou Kaku Musaso, a gerente que veio da cidade de Opuwo e que, como muitas mulheres himba modernas, usa roupas ocidentais e fala um inglês impecável com sotaque britânico. - Era raro ver brancos por aqui- .
África
Grupos trabalham para preservar a fauna e a cultura na Namíbia
Entidades de conservação estabeleceram parcerias com agências de turismo internacionais, permitindo que viajantes tivessem acesso à cultura e aos animais
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