Abdugadish Mohamed permaneceu bem na entrada da loja de um cômodo que ele administra nesse município tenso e esfumaçado fora da Cidade de Cabo. Ele perscrutava cuidadosamente a malha de caminhos de terra e de casas velhas no entorno.
- Estamos com medo, cara. Estas pessoas são perigosas - disse Mohamed, de 28 anos, somali e gerente da financeira Bafana Bafana.
Mohamed e seus dois funcionários - ambos refugiados zimbabuenses - tinham sido perseguidos no município, e o seu estabelecimento saqueado até as paredes, há pouco mais de um mês. Eles tinham retornado há apenas uma semana. O primeiro trabalho foi o de construir uma grade de proteção de metal em volta da caixa registradora.
- Este local, ele pode mudar de uma hora para outra. Dizem que é porque odeiam estrangeiros, por causa da xenofobia, mas na verdade é apenas um desculpa para roubar - disse Allen Gonese, de 29 anos, um dos funcionários zimbabuenses.
Uma nova onda de violência contra estrangeiros morando aqui e em várias outras comunidades pobres fora da Cidade de Cabo provocou novos temores entre os moradores, líderes comunitários e defensores dos refugiados pobres.
Umas 200 lojas de somalis e um número desconhecido de outras administradas por imigrantes chineses, zimbabuenses, entre outras nacionalidades, têm sido saqueadas e, às vezes, queimadas até os alicerces de concreto nos últimos meses, disse Braam Hanekom, diretor do grupo ativista com sede na Cidade do Cabo chamado de O Povo Contra o Sofrimento, a Opressão e a Pobreza.
Não está claro o que provocou a última onda de violência, porém Hanekom e outros afirmam que o governo tomou medidas de repressão contra os refugiados recentemente, inclusive aumentando as deportações e o fechamento de escritórios de refugiados em algumas cidades que são essenciais para estrangeiros conseguirem as renovações de documentos.
Até agora, a violência contra imigrantes nem chega perto dos níveis da onda que varreu o país nas comunidades mais pobres em 2008, quando pelo menos 60 pessoas foram mortas e dezenas de milhares forçadas a fugir de suas casas e comércios.
Outra coisa diferente desta vez é que várias comunidades reagiram à violência com campanhas de alto nível para acolher novamente aqueles que foram perseguidos.
Os ataques contra estrangeiros morando no município de Masiphumelele, na península do Cabo ao sul da cidade, por exemplo, foram rapidamente seguidos de uma tentativa dos líderes comunitários apelando para que voltassem. A maioria realmente voltou, afirmam os líderes locais, o que atraiu uma visita de congratulação do arcebispo Desmond Tutu.
Na seção do Parque Mandela do município de Imizamo Yethu, também na península, uma breve explosão de violência seguiu rumores, várias semanas atrás, de que alguns malauianos morando por lá tinham sido responsáveis pelo estupro de uma menina do local.
- Não era verdade, mas as pessoas já tinham começado a agir - disse Kenny Tokwe, trabalhador local de desenvolvimento da comunidade.
Os homens malauianos foram expulsos, assim como alguns donos de lojas somalis.
- Quase todos os somalis retornaram agora, até onde sei - Tokwe disse.
No entanto, certa preocupação permanece mesmo entre aqueles que deixaram de se esconder.
- A realidade é que a comunidade realmente precisa dessas lojas. Não é legal ter de caminhar 800 metros para comprar pães. Assim, claro, houve certa receptividade, e houve alguns casos emocionantes, mas seria um erro ser otimista demais - Hanekom disse.
Uma vez que os comércios forem abertos novamente e reestocados, isso pode oferecer uma desculpa tentadora para uma nova onda de saques, caso algo aconteça para desencadeá-la.
Existe algo mais que preocupa os moradores e outras pessoas, algo que mesmo os defensores dos imigrantes hesitam em falar. Em 2010, o país ficou inquieto por rumores de que mais violência xenofóbica seguiria na partida final da copa do mundo de futebol, que a África do Sul sediou. E houve um pouco de violência, embora nada como os rumores sugeriram.
Agora existem novos rumores circulando nos municípios de todo o país de que mais surtos de violência ocorrerão contra estrangeiros no calor da emoção que certamente seguirá após a morte de Nelson Mandela, o ex-presidente e ativista antiapartheid que está hospitalizado desde o dia oito de junho e completou 95 anos em julho.
- Sim, estamos muito preocupados com isso. Os clientes conhecem esses rumores, e eles os usam contra você. Se houver alguma disputa sobre algumas mercadorias, eles nos dizem, 'Ah, você terá muitos problemas após a morte de Mandela - disse Ayub Abdi, de 19 anos, estudante de engenharia que trabalha na loja da família no Parque Mandela.
Tanto Hanekom quanto William Kerfoot, advogado do Centro de Recursos Legais na Cidade do Cabo, que oferece aconselhamento gratuito a imigrantes e refugiados, disseram que eles e outros defensores suspeitavam de que os rumores eram infundados - "Certamente espero que sim", Kerfoot disse - embora eles possam inadvertidamente estimular problemas ao fornecer um pretexto para aqueles que precisam de uma razão para saquear.
- De um lado, é melhor não perpetuar o rumor. Do outro lado, é melhor não ignorá-lo, porque isso tem repercussões sérias - Hanekom disse.
Beverly Tsambi, de 41 anos, estava na loja de Abdi no Parque Mandela com suas duas netas, olhando pacotes de batatas fritas.
- Não acho que acontecerá, mas o rumor está assustando as pessoas. Talvez aconteça em outras áreas, mas não aqui no Parque Mandela - disse.
Em Wallacedene, entretanto, o medo é mais palpável.
Mirriam Bodiba, uma funcionária pública local da Liga da Juventude ANC, dirigiu devagar pelas ruas cheias e obstruídas do município, rastreando o caminho que a violência tomou aqui em junho.
- Foi aqui onde começou - disse, apontando para os destroços carbonizados e esparramados de uma loja ainda vazia, propriedade de uma família chinesa. As multidões se formavam nas altas horas da madrugada, quebrando as lojas e roubando tudo, depois se dispersando no labirinto de barracões e se formando novamente a algumas quadras de distância em outra loja, também queimada. E depois, outra, e mais outra, dezenas de lojas.
- As pessoas entram no clima de briga e acham que podem atacar qualquer um na frente delas - disse.
Aproximadamente 70 pessoas foram presas posteriormente, mas já era tarde demais.
- Ah, acontecerá novamente. Haverá mais ataques e mais saques - disse Gonese, um dos trabalhadores zimbabuenses.
Quer seja a morte de Mandela ou alguma outra fagulha que desencadeará os ataques, ele não sabe predizer, mas ele e outros acham que a financeira Bafana Bafana, que tem o nome da seleção de futebol da África do Sul, disseram achar que a violência retornará.
Quando os líderes locais iniciaram as negociações com os comerciantes somalis após a violência, apelando para que voltassem, eles prometeram que isso nunca mais aconteceria. Alguns retornaram, disse Mohamed, e alguns não.
De sua parte, Mohamed retornou apenas porque "é o meu trabalho, e eu preciso ter dinheiro". Ele disse não ter dúvida de que a sua loja seria atacada novamente.
O lojista de olhar triste se mantinha bem na sombra da entrada, observando os transeuntes.