Mark Kitto, 46 anos, continua aqui. Porém, não por muito tempo, ele jura. Segundo Kitto, a partida se dará em algum momento deste verão no Hemisfério Norte, após uma derradeira viagem rodoviária com a família aos domínios externos do império chinês, onde duas décadas atrás, enquanto soldado britânico, participou de uma expedição de 59 dias pelo deserto de Taklamakan.
A mobília já foi retirada da casa que ele reconstruiu no topo dessa montanha recoberta de bambu a três horas de Xangai. A esposa cantonesa, Joanna Kitto, está passando a outras pessoas a administração do dia a dia do restaurante e das três pensões atmosféricas pertencentes ao casal.
Muitos estrangeiros na China pensam que Kitto deixou o país no verão passado. Um dos mais conhecidos empreendedores estrangeiros de sua geração na China, ele somente está cumprindo a promessa feita no provocador artigo "Você nunca será chinês". O texto foi publicado em agosto pela "Prospect", revista literária britânica, como despedida à época em que ele fez de Xangai e Moganshan seus lares adotivos, isso depois de nascer na Cornualha, crescer no País de Gales, fazer faculdade em Londres e servir no regimento de infantaria Guardas Galeses.
No artigo, Kitto explicou por que, depois de 16 anos no país, voltaria à terra natal. Ele escreveu a respeito das dificuldades em manter uma empresa aqui, sobre um governo que sacrifica o bem-estar das pessoas para permanecer no poder e, por fim, de preocupações muito pessoais em relação a educar os dois filhos de oito e dez anos de idade, na China.
"Queria que a China fosse o lugar onde fiz carreira e vivi minha vida", o empresário escreveu. "Eu me desapaixonei, acordei do meu Sonho Chinês."
O sonho ainda parece muito atraente do ponto elevado onde Kitto almoçou recentemente com alguns visitantes - na mesa ao ar livre de um restaurante local com vista panorâmica do vale. Ele apontou um templo budista semiacabado logo abaixo. De acordo com Kitto, as autoridades locais o construíam para atrair receita turística, mesmo que nenhum monge vivesse no vale.
Retomemos o artigo: "Após sua publicação, houve muita reação."
O artigo de Kitto circulou amplamente entre estrangeiros na China, forçando alguns a questionar as presunções básicas assumidas por eles ao tentar construir a vida por aqui. Outros perguntaram se suas perspectivas eram ilusórias em relação ao que esperava do país. E o que exatamente o empresário quis dizer ao afirmar "você nunca será chinês"? Afinal, que estrangeiro espera se tornar chinês?
Todavia, Kitto parece ser um precursor. Nos meses seguintes, outros estrangeiros escreveram artigos sobre deixar a China. As partidas parecem ter se acelerado neste ano, enquanto pessoas que vieram para cá por volta de 2008, no prelúdio dos Jogos Olímpicos, vão embora. Além disso, os estrangeiros temem cada vez mais a poluição no norte da China, tida como entre as piores do mundo, além da escassez de água e a insegurança alimentar.
O êxodo parece especialmente elevado entre estrangeiros que, a exemplo de Kitto, se envolveram no mundo literário e jornalístico. Todos eles se orgulhavam de ter se envolvido com a China de forma mais profunda do que um funcionário enviado para cá por uma multinacional. Eles são descendentes dos tipos de estrangeiros que o historiador Jonathan D. Spence descreveu em seu primeiro livro, "To Change China", alunos do idioma, empreendedores, exploradores.
- Acho que Mark se vê no conjunto de aventureiros britânicos na China - disse Harvey Thomlinson, editor de Hong Kong que detém os direitos fora dos Estados Unidos do livro de memórias de Kitto, "China Cuckoo".
Os bretões têm uma história colorida por aqui, seja como aventureiros feito Sir Edmund Backhouse, que afirmou integrar a corte imperial da dinastia Qing e ser amante da imperadora Dowager Cixi, ou os missionários que construíram as mansões de pedra no topo de Moganshan no começo do século XX. Cada geração de estrangeiros tem um caráter diferente, em boa parte dependente das mudanças na China.
- Acho que Pequim entrou numa nova etapa de desenvolvimento. Há um novo tipo de estrangeiro chegando, e os chineses jovens têm objetivos diferentes. É outro tipo de vibração de quando cheguei - disse Alex Pearson, britânico que mora há muito tempo no país, é dono de livraria, amigo de Kitto e deixará a China neste verão.
A história de Kitto por aqui está bem documentada. Ele adotou a China quando estudou na Escola de Estudos Orientais e Africanos, da Universidade de Londres. Depois, aconteceu a travessia do Taklamakan, em 1993, em uma caravana de camelos conduzida por outro aventureiro britânico, Charles Blackmore. Contudo, Kitto é mais conhecido por publicar no final da década de 1990 e começo da de 2000 uma revista autorizada para estrangeiros em três cidades chinesas; feito inédito para um estrangeiro. O empreendimento lucrativo foi confiscado pelas autoridades em 2004, e Kitto se retirou para a Moganshan, pensando em começar uma nova carreira ali.
Depois, Kitto escreveu sobre ir embora de Moganshan na qual ele previa ser sua última coluna para a "Prospect". Autoridades na província de Zhejiang levaram para o lado pessoal e abriram um inquérito. Kitto estava em Xangai a caminho dos EUA quando a polícia interrogou sua esposa. "Ela estava explodindo, berrando ao telefone: 'O que você foi fazer desta vez?' A polícia está ligando para mim.' Ela é cantonesa, se empolga fácil."
Quando Kitto voltou uma semana depois, a tempestade havia passado, mas as autoridades locais ainda estavam determinadas a saber por que ele queria ir embora. Em parte, estavam seguindo ordens de autoridades da província aparentemente preocupadas com o possível impacto do artigo de Kitto sobre investimento estrangeiro.
Até certo ponto, o desencanto do empresário proveio das regras comerciais. Segundo Kitto, uma das queixas é que nunca se pode ter uma empresa a longo prazo aqui sem o temor de que as autoridades a tirem de suas mãos a qualquer instante. Por exemplo, ele e a esposa nunca poderão ser os donos legais do terreno onde se encontram suas casas em Moganshan.
Entretanto, havia questões mais fundamentais.
"A sociedade continental chinesa moderna só pensa numa coisa: dinheiro e na sua aquisição", garante o artigo.
De acordo com outro trecho do texto, "o governo tem tanto medo do povo que prefere não liderá-lo". Ou, "o Partido só se manifesta quando seu poder ou riqueza pessoal sofre ameaça direta."
A principal razão que ele deu para justificar a partida foi dar aos filhos "uma boa educação", distante dos currículos voltados às provas das escolas chinesas e suas lições propagandistas da história.
Kitto disse que mantém o que escreveu, independentemente das controvérsias, e que já decidiu sua volta à Inglaterra. A família pretende viver num chalé que seu pai possuía numa área rural de Norfolk, agora popular entre veranistas.
Segundo o britânico, de certa forma o lugar parece Moganshan.
"É muito bonito e tranquilo, menos durante os fins de semana de verão."
Dali, Kitto espera trabalhar com marketing para empresas locais e publicar traduções para o inglês de livros chineses, como fez recentemente com "The Civil Servant's Notebook", de Wang Xiaofang, publicado pela Penguin.
Ele afirmou que a esposa continuaria supervisionando o negócio em Moganshan e que a família voltaria de vez em quando, pelo menos enquanto as casas daquela montanha continuarem em suas mãos.
"Um dos meus argumentos principais foi: veja a história dos estrangeiros na China. Os únicos estrangeiros que fizeram fortuna no país são os negociantes. Compram e vendem. Também é o que os chineses fazem. Tudo no curto prazo."