Depois de um longo e frio mergulho no escuro, nós o vimos no recife à noite, com nossas luzes de mergulho: era o octopus ornatus, o polvo ornamentado, uma criatura de 30,5 cm de comprimento e um tom âmbar alaranjado, com manchas brancas brilhantes e tentáculos tracejados.
Ele ficou impassível sob a luz da câmera, a 9 m abaixo da superfície, sem se incomodar com o burburinho. Estiquei o dedo e ele me tocou com suas ventosas. Quando seguiu para a outra direção, eu o agarrei com minhas mãos em forma de concha enquanto ele me olhava atentamente, com os olhos dourados atentos.
Como se levitasse, ele se descolou e tentou partir com tudo sobre a minha cabeça, mas foi lento o suficiente para que eu pudesse pegá-lo suavemente no ar - era como lidar com um grande pássaro, mas com oito tentáculos pegajosos. Segurando-o frente a frente, olhei em seus olhos. Eu me senti conectado, uma espécie de encantador de polvos.
Em seguida, um tentáculo atingiu a parte da frente da minha máscara. O polvo se soltou de meu braço e desapareceu no breu.
Toda a minha vida profissional foi dedicada à biologia marinha. Há mais de 25 anos, pesquiso a saúde dos corais e a sustentabilidade dos recifes. Tenho fascínio pela magia dos invertebrados sésseis, como corais, esponjas e ascídias - criaturas vitais para o ecossistema, mas muitas vezes negligenciadas em favor dos animais mais visíveis, como tubarões e baleias.
O cineasta David O. Brown e eu queremos mudar isso. A fim de filmar o documentário "Fragile Legacy" ("legado frágil"), temos tentado atrair esses invertebrados indescritíveis e delicados para a frente da lente da câmera.
Nossa fonte de inspiração é improvável: uma coleção de 570 esculturas de vidro do século XIX, de criaturas marinhas extraordinariamente forjadas e anatomicamente perfeitas.
Esses delicados filamentos e dobras de vidro compõem a coleção Blaschka de invertebrados de vidro da Universidade de Cornell, da qual sou o curador - medusas encantadoras e raríssimas do oceano aberto; lá há também lulas, anêmonas e nudibrânquios de piscinas naturais britânicas e praias do Mediterrâneo, mais comuns, mas igualmente belos.
Eles são fruto do trabalho de uma equipe extraordinária formada por um pai e seu filho, Leopold e Rudolf Blaschka. Leopold Blaschka (1822-1895) foi um tcheco que imigrou para Dresden, que fica onde hoje está a Alemanha. Em uma viagem de navio aos Estados Unidos, em 1853, ele se encantou com um espetáculo de bioluminescência de um tipo de medusa chamada sifonófora.
Ele decidiu estudar a medusa mais de perto e imitar suas formas em vidro. Sua primeira obra foi um conjunto de anêmonas para o Museu de História Natural de Dresden em 1863, inspirado por "Anêmonas-do-mar e corais britânicos", do naturalista Philip Henry Gosse.
O filho de Leopold, Rudolf (1857-1939), foi um apaixonado historiador natural, além de um aquarista muito dedicado. Ele seguiu os passos do pai, explorando a biodiversidade a fim de alcançar o máximo possível da amplitude do reino animal. (E não para por aí: tempos depois, eles criaram uma vasta coleção de flores que hoje está em exposição na Universidade de Harvard.)
Para restaurar a enorme coleção de Cornell - comprada dos próprios Blaschka em 1885 - uma vidreira, Elizabeth R. Brill, limpou meticulosamente cada peça e colou de volta os fragmentos de brânquias e tentáculos que estavam fora do lugar. A coleção está exposta em várias galerias e no Museu de Arte Johnson, no campus da Cornell, e as peças restauradas podem ser vistas em uma galeria online.
A biodiversidade marinha recriada pelos Blaschka é uma visão fantasmagórica da vida nos oceanos, pois eles eram artistas e historiadores naturais apaixonados, sensíveis às formas que ficariam belas em vidro e àquelas que eram raras ou frágeis demais para serem vistas facilmente. Eles também eram professores excelentes, ávidos para compartilhar as maravilhas da natureza com os alunos.
Seus temas favoritos eram as formas efêmeras, translúcidas e luminescentes da Cnidaria (anêmonas, medusas, corais), moluscos sem casca (nudibrânquios, polvos e lulas) e anelídeos brilhantes com tentáculos. Algumas de suas criações mais impressionantes são de diferentes espécies de cefalópodes, como o polvo ornamentado.
David Brown e eu viemos para o Havaí com o objetivo de fazer vídeos do maior número de cefalópodes parecidos com os que inspiraram os Blaschka que pudéssemos encontrar. (O polvo ornamentado que encontramos não era tão parecido com o dos Blaschka, mas o polvo comum era: a versão em vidro ainda está empoeirada e quebrada na caixa onde foi transportada, e em breve será restaurada por Elizabeth).
Nossa missão também consiste em usar a coleção Blaschka como uma máquina do tempo, registrando as mudanças. Quantas dessas criaturas que eram tão comuns há 150 anos ainda podem ser encontradas hoje em dia?
Os oceanos estão mudando rapidamente, com um aumento de 30% na taxa de acidez nos últimos 200 anos, o angustiante e letal aquecimento de muitos mares tropicais, uma significativa poluição costeira e pesca predatória praticamente generalizada. É o momento ideal para compararmos a abundância do passado com as ameaças de hoje.
As chances de encontrarmos cefalópodes ficam muito maiores à noite, quando eles estão procurando por alimento. Assim, mergulhamos várias vezes nos recifes à noite, fazendo em um mergulho na "água preta" a 4,8 km da costa de Kona.
O que eu realmente esperava ver eram as sifonóforas, as criaturas que produziram a bioluminescência que tanto inspirou Leopold Blaschka na travessia do Atlântico em 1853 e cujos modelos são alguns dos mais intrincados de nossa coleção.
Por exemplo, o modelo em vidro da Apolemia uvaria tem a forma básica de uma sifonófora que eu pude ver bem à minha frente - um grande saco em forma de sino que serve para a locomoção rápida, e os longos tentáculos que se balançam - cada um coberto por um arpão mortal carregado com neurotoxina - armadilhas mortais para todos os tipos de pequenos camarões e peixes.
E as sifonóforas nos apresentaram um belo espetáculo, mesmo sendo pequenas e terrivelmente difíceis de filmar. Elas estendiam os longos tentáculos, puxando-os rapidamente quando as presas se aproximavam.
E quando elas se depararam com uma situação de perigo, seu sistema nervoso disparou um sinal para os músculos, que compactaram os tentáculos e fizeram com que o "sino" nadasse em alta velocidade. Uma série de tentáculos de 0,9 m de comprimento se comprimiu em um piscar de olhos em uma corrente de 7,6 cm de propulsão a jato. O termo "jellyfish" ("medusa" em inglês) não capta a evolução extravagante e a biologia do animal.
Em seguido, ouvi David soltar um grito debaixo d'água: ele tinha acabado de tirar uma foto de um impressionante pequeno polvo que passava.
A próxima parada de nossa missão é o Mediterrâneo, marco zero da pesquisa dos Blaschka. Neste mês, sigo para a Itália, para a Estação Marinha de Nápoles, que cedeu aos vidreiros muitos de seus animais vivos.
Talvez encontremos correspondentes exatos de invertebrados espetaculares, como o polvo com tentáculos encaracolados (Eledone moschata) e a sifonófora gigante Apolemia uvaria, que, com 6,1 m de comprimento, chega a dominar a cadeia alimentar mediterrânea. De qualquer forma, esperamos descobrir se ainda sobrevivem no mar, assim como fazem, magnificamente, em vidro.