Michel Djotodia, um sexagenário imponente, se vestira para o seu golpe de estado, usando camuflagem de deserto, um turbante e sandálias semelhantes às dos rebeldes em sua região na República Centro-Africana.
Djotodia, um astuto oportunista que teve muitas ocupações mas raramente foi chamado de soldado, andou no final de março com um comboio rebelde pela capital, Bangui, apenas horas depois da fuga do presidente François Bozizé.
Os homens de Djotodia arrombaram o portão da frente do hotel Ledger Plaza, um recém-inaugurado palácio cinco estrelas financiado por Muamar Kadafi, o ditador libanês, enquanto os hóspedes se escondiam do lado de dentro. Ele pediu um quarto.
Horas depois, Djotodia, cujo nome era pouco conhecido em Bangui e que poucos analistas enxergavam como uma figura de muito significado político, se autoproclamou presidente.
Substituindo a farda por ternos escuros, ele mentem o título, apesar do clamor mundial dos governos que se recusaram reconhecê-lo como chefe de estado legítimo.
Existe também um coro crescente de resmungos entre seus rivais, críticos e milhares de soldados e mercenários que atualmente perambulam pelas ruas da capital - e frequentemente as saqueiam.
Sob a pressão de líderes regionais, Djotodia criou um conselho de transição, que recentemente o designou como presidente interino. O conselho também deve supervisionar a gestão do país até as eleições, em aproximadamente um ano e meio. Mas Djotodia se recusou a renunciar a sua reivindicação de poder, e muito da sua ascensão súbita parece um mistério, como também as suas intenções.
"Estamos completamente no escuro", afirmou Marcel Mokwapi, líder de uma associação de editores de jornais em Bangui.
Djotodia vem da província de Vakaga, na savana arborizada do nordeste do país, uma região isolada nas fronteiras com o Chade e Sudão, onde se concentra a minoria muçulmana da República Centroafricana. Se ele se mantiver na presidência, será o primeiro líder muçulmano da nação e o primeiro líder do nordeste.
A mistura de etnias em sua região difere da mistura de Bangui. Os habitantes são muito sido submetidos à discriminação e à violência ocasional, e são tratados pela liderança política na capital como "estrangeiros", afirmou Louisa Lombard, bolsista de pós-doutorado da Universidade da Califórnia, em Berkeley, que estuda a região.
"Eles se sentem completamente abandonados", Lombard declarou, e esse ressentimento é a base para a coalizão rebelde que Djotodia ajudou a formar no ano passado, com o nome de Séléka.
Há pouca eletricidade ou água encanada na região, ela afirmou; a região também não tem postos policiais ou postos de saúde. As ruas que existem são pouco mais que caminhos de terra, e a região é, em grande parte, isolada do resto do país durante a estação das chuvas.
"Foi o sofrimento, bem simplesmente, que nos levou a pegar em armas, só isso", Djotodia falou à Rádio França Internacional no mês passado. "É o sofrimento que nos comanda." Várias tentativas de entrevistar o líder autoproclamado foram sem êxito.
Dizem que Djotodia passou uma década estudando na União Soviética, a partir dos anos 70; ele se casou e teve duas filhas no país antes de retornar fluente em russo, Lombard disse. Ele também fala francês e sango, as línguas oficiais do país, e gula, a língua da sua etnia.
Ele trabalhou na administração tributária nos anos 80 e concorreu duas vezes, sem sucesso, a uma vaga no Parlamento. Ele se envolveu no comércio de diamantes no norte, embora não se saiba com exatamente em qual função, disse Lombard.
Por ter cultivado a amizade de Jean-Francis Bozizé, cujo pai, François, tomou o poder no golpe de 2003, Djotodia foi designado como Cônsul da República Centroafricana em Niala, a capital do Estado de Darfur do Sul do Sudão.
Seu antecessor como cônsul foi um sheik, um líder religioso importante para quem ele já tinha trabalhando uma vez; as manobras de Djotodia para assumir o cargo foram vistas por muitos no nordeste como uma quebra de decoro, Lombard contou.
"Há uma certa desconfiança em relação a ele", disse ela, embora ele não seja particularmente conhecido mesmo em sua região natal. "O que a população sabia sobre ele é que ele queria mais poder político."
A disposição de Djotodia em contrariar um sheik muçulmano pode servir de conforto para quem se preocupava que ele tivesse filiações anticristãs; os assessores de Djotodia dizem que ele governará como secularista.
Enquanto atuava como cônsul, Djotodia brigou com Bozizé, "muito provavelmente" porque ele não estava subindo rapidamente o bastante na hierarquia do governo, afirmou Thierry Vircoulon, diretor de projeto do Grupo de Crise Internacional para a África Central.
Em 2006, Djotodia ajudou a fundar um grupo armado, a União das Forças Democráticas pela Unidade, que se uniu a uma insurreição contra o governo. As queixas do grupo eram, em grande parte, não específicas; Lombard disse suspeitar de que Djotodia sentiu que a rebelião poderia ser um caminho simples para o poder político.
Djotodia efetivamente serviu como o representante político do grupo rebelde, declarou a estudiosa, enquanto o cofundador, Damane Zakaria, o chamou de "o intelectual" do grupo.
Durante a luta, ele foi preso em Benin a mando de Bozizé; a rebelião foi finalizada com a ajuda de forças francesas em 2007, um acordo de paz foi assinado, e Djotodia foi libertado da prisão em 2008.
Ele emergiu do silêncio relativo no final do ano passado, quando ajudou a construir a coalizão rebelde que tirou Bozizé do poder. Os mercenários chadianos e sudaneses foram decisivos para o sucesso dos rebeldes, e a presença deles pode certamente ser atribuída a Djotodia, afirmam os analistas.
Contudo, não está completamente claro se ele sempre quis tomar o poder para si próprio, e ele pode de fato ter sido um golpista relutante.
Após as negociações de paz em janeiro, Djotodia tornou-se vice-primeiro-ministro de um governo de unidade sob Bozizé, e "ele ficou bastante satisfeito", disse Vircoulon, o analista. Alguns membros da coalizão podem ter ficado insatisfeitos com o acordo, contudo, e insistiram em um golpe. "O problema basicamente é que o seu povo discordava dele", afirmou Vircoulon.
Em uma recente coletiva de imprensa, Djotodia insistiu que a nação em breve estaria completamente sob o seu comando, embora o conflito interno violento já tenha tomado conta dos rebeldes.
"Os meus homens estão no processo de proteger o campo" disse. "Temos a capacidade de fazer isso, proteger todo o território da República Centroafricana, todo o país."
The New York Times
Mistério cerca rebelde que comanda República Centro-Africana
Michel Djotodia comandou golpe de estado no país
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