As belas casas construídas nas colinas desta região, com as suas cores brilhantes e anexos novos, mostram claramente os benefícios materiais da mudança de milhões de trabalhadores para os Estados Unidos ao longo das últimas décadas. No entanto, esses lares simples também revelam por que outro êxodo mais numeroso seria improvável: a maior parte deles está vazia.
Em toda a avermelhada planície central do México, a maioria das pessoas que poderiam seguir para o norte já se foi. Em uma região considerada durante muito tempo como um termômetro da imigração ilegal - onde o fluxo de migrantes muitas vezes parecia não ter fim - nas ruas, silenciosas, só se escuta o vento. As casas aguardam o retorno de famílias que ali viviam, enquanto dezenas de escolas foram fechadas por falta de alunos. Aqui em El Cargadero, uma comunidade agrícola outrora próspera de três mil pessoas, apenas algumas centenas de habitantes permanecem.
"Mudou muito", disse Fermin Saldivar Ureno, de 45 anos, agricultor de abacates cujos 13 irmãos e irmãs estão todos na Califórnia. "Eu tenho três filhos, meus pais tiveram 14. Hoje simplesmente não há muitas pessoas que possam querer ir para os Estados Unidos."
Em um momento em que o Congresso dos Estados Unidos considera uma reforma abrangente da imigração, muitos legisladores se dizem extremamente preocupados com a possibilidade de que conceder cidadania para os cerca de 11 milhões de imigrantes que vivem ilegalmente nos Estados Unidos apenas motive o aumento da imigração ilegal.
Eles culpam a anistia concedida pelo presidente Ronald Reagan em 1986 pela onda humana que se estabeleceu no país em seguida, e temem que isso se repita se o Congresso recompensar os infratores e incentivar mais imigrantes a cruzarem a fronteira ilegalmente.
"O grande problema da imigração é convencer as pessoas que já estão no país de que não vamos repetir o que aconteceu em 1986", disse o senador Lindsey Graham, republicano da Carolina do Sul, que está no grupo bipartidário de senadores que têm trabalhado em um projeto de lei.
No entanto, a experiência do passado e as tendências atuais, tanto no México quanto nos Estados Unidos, sugerem que a legalização não motivaria uma onda repentina de imigração ilegal na escala da ocorrida após 1986. Pesquisas de longa duração realizadas junto a imigrantes do México revelaram que o motivo principal que levou ao aumento de imigrantes que cruzaram a fronteira nas décadas de 1990 e 2000 era a possibilidade de conseguir um trabalho, e não de adquirir a cidadania. Além disso, como assinala Saldivar, os tempos mudaram.
A economia dos EUA já não está mais repleta de postos de trabalho. A fronteira está mais segura do que nunca. Além disso, a taxa de natalidade no México caiu radicalmente, enquanto as pessoas que deixaram o país anos atrás já mandaram buscar seus parentes imediatos ou começaram uma família nos Estados Unidos.
"Trata-se de um novo México, novos Estados Unidos, e a interação entre eles também é nova", disse Katherine Donato, socióloga da Universidade Vanderbilt que é especialista em imigração. Quanto à ação do Congresso provocar uma onda de travessias ilegais, ela acrescentou: "Simplesmente não vai haver um grande interesse. Não tem tantas pessoas assim. Trata-se de uma viagem perigosa que custa muito mais caro, além de que toda a América Latina tem passado por um crescimento considerável. Dessa forma, se há pessoas na América Central que estão privadas de direitos e desempregadas, como foi o caso no México três ou quatro décadas atrás, é possível que elas decidam ir para o sul".
É claro, centenas de milhares de pessoas de todo o México e em outras partes do mundo ainda tentam chegar aos Estados Unidos todos os anos, e o poder de atração do país vai depender em parte dos detalhes do que o Congresso aprovar. Quem serão as pessoas elegíveis? Quanto tempo elas terão de esperar, e que barreiras os legisladores vão estabelecer para evitar que novos imigrantes entrem ilegalmente nos Estados Unidos e encontrem trabalho no país?
Alguns estudiosos afirmam que a concessão de qualquer tipo de estatuto legal incentiva a migração ilegal, pois cria uma classe mais estável de imigrantes, atraindo seus parentes.
"Se a pessoa tem um 'green card', o poder dessa rede deve se tornar significativamente mais forte", disse Mark Krikorian, diretor executivo do Centro de Estudos da Imigração, em Washington, que defende a imigração reduzida.
Muitos legisladores, principalmente republicanos, veem a lei de 1986 - a Lei de Reforma e Controle de Imigração - como principal exemplo do que pode dar errado.
Catalogada como um esforço abrangente para deter a imigração ilegal, ela outorgou estatuto legal para cerca de 2,7 milhões de imigrantes por meio de dois programas: um para trabalhadores agrícolas e outro para imigrantes que viviam nos Estados Unidos desde 1982. Durante os primeiros anos depois após a sua aprovação, as travessias ilegais diminuíram porque os migrantes que já tinham entrado ilegalmente nos Estados Unidos anteriormente passaram a ter documentos que lhes permitiam entrar e sair à vontade.
Contudo, por volta de 1990, os problemas da lei começaram a aparecer. Os requisitos de documentação para os trabalhadores agrícolas eram frouxos o suficiente para possibilitar a generalização das fraudes, incentivando as pessoas a atravessarem a fronteira, ainda relativamente desprotegida, e apresentar uma solicitação de estatuto legal.
De maneira mais significativa, dizem os especialistas, era difícil conseguir vistos de trabalho para as massas de mexicanos pobres e jovens, e as sanções contra os empregadores que contratavam trabalhadores ilegais raramente eram aplicadas. Como resultado, as empresas americanas e os imigrantes continuaram a procurar uns aos outros.
"A grande onda de migração mexicana para os EUA na segunda metade do século XX e início do século XXI foi impulsionada pela abundância de empregos gerados pelo 'boom' econômico vivido pelos Estados Unidos no período", disse Wayne Cornelius, diretor emérito do Centro de Estudos Comparativos de Imigração da Universidade da Califórnia em San Diego. "Quaisquer efeitos retardados" da anistia de 1986 "foram inexpressivos em comparação com os incentivos criados pelo aumento da oferta de empregos nos EUA", disse ele.
Aqui no centro do México, a economia e a demografia locais também desempenharam um papel significativo. O colapso do peso mexicano em 1994 e o Tratado Norte-Americano de Livre Comércio, que dificultaram o sustento dos produtores mexicanos, levaram algumas famílias a se mudarem para as cidades mexicanas e acelerou um padrão de migração que logo remodelaria ambos os lados da fronteira. Hoje nos Estados Unidos há mais imigrantes vindos do centro do México do que de qualquer outro lugar do mundo, de acordo com o censo e com levantamentos realizados em ambos os países.
Em estados como Zacatecas, muitas áreas se esvaziaram gradualmente. Se não conseguiam um visto, os filhos e filhas de famílias de agricultores atravessavam a fronteira com "coiotes", ligando para estações de rádio locais na cidade de origem para anunciar a seus parentes que tinham sobrevivido à viagem.
"Tornou-se um modo de vida", disse Eduardo Lopez Mireles, presidente do município de Jerez, do qual El Cargadero faz parte. "Há 50 mil pessoas de Jerez do outro lado, e 57 mil aqui."
No entanto, ao longo dos últimos anos, os padrões de trânsito de pessoas mudaram. Em Jerez e outros lugares, as redes transfronteiriças de conexões familiares que possibilitaram uma das maiores ondas de imigração da história americana se esgotaram - com a maioria dos parentes próximos já nos Estados Unidos - ou as pessoas que faziam parte delas já estão voltando para casa. Não só foram deportados mais de 10 mil zacatecanos apenas em 2012, de acordo com números do Estado, como também milhares de outros voltaram voluntariamente por causa da falta de postos de trabalho.
Em longo prazo, os especialistas preveem que a eventual concessão de cidadania para 11 milhões de imigrantes pode vir a aumentar a migração legal à medida que as famílias forem se reunindo. O Congresso parece interessado em limitar essa intensificação, com os senadores elaborando leis que podem eliminar vistos para filhos adultos casados e irmãos de cidadãos norte-americanos.
Independentemente disso, o número de candidatos em potencial está encolhendo. Um fato que indica o quanto a reunião entre as famílias já se deu, legalmente ou não, é de que as remessas para Jerez caíram para no máximo 100 mil dólares por dia, em comparação ao valor de um milhão registrado no final da década de 1980, de acordo com autoridades de Jerez.
Especialmente nas pequenas cidades de onde partiram muitos migrantes em direção ao norte ao longo de décadas, esse vazio impressiona. Em Santa Ines, as turmas dos três anos do ensino médio foram reunidas neste ano em apenas duas classes, incluindo uma que tem apenas onze alunos.
Pelo menos inicialmente, disseram muitos zacatecanos, a legalização pode na verdade fazer com que mais pessoas partam em direção ao sul do que ao norte, já que milhões de imigrantes poderiam ir e vir dos Estados Unidos legalmente pela primeira vez em anos.
J. Reyes Sanchez, de 53 anos, reunido com um grupo de homens que conversavam perto da igreja, disse que tudo que quer é ver os três filhos que moram nos Estados Unidos e seus netos americanos. Para ele, isso poderia ser viabilizado mediante a criação de uma maneira de se conquistar a cidadania.
"Eles poderiam vir ver a família aqui, eles poderiam vir me ver", disse ele. "Eles seriam praticamente turistas aqui, mas eles precisam vir."
The New York Times
Em povoados mexicanos vazios, poucos sonham com os Estados Unidos
Casas aguardam o retorno das famílias que viviam na planície central do México
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