Caracas, Venezuela - Segundo anúncio do governo venezuelano, o presidente Hugo Chávez morreu na tarde de terça-feira, após uma longa batalha contra o câncer, deixando atrás de si uma nação dividida e à beira de uma crise política que se tornou ainda mais grave após semanas de silêncio, ausência e sofrimento em hospitais de Havana e Caracas.
Com a voz rouca e os olhos cheios de lágrimas, o vice-presidente Nicolas Maduro afirmou que ele e outras autoridades haviam ido ao hospital militar onde Chávez estava sendo tratado longe dos olhos do público, quando receberam "a informação mais trágica que poderíamos transmitir a nosso povo".
A partida de Chávez do país que comandou por 14 anos lança dúvidas sobre o futuro da revolução socialista que iniciou. Ela altera o equilíbrio político da Venezuela, o quarto maior fornecedor de petróleo dos Estados Unidos, e da América Latina, onde Chávez liderava um grupo de países que buscava diminuir a influência dos Estados Unidos na região.
Chávez mudou a Venezuela de forma profunda, dando mais voz e poder a milhões de pessoas pobres, que se sentiam marginalizadas e excluídas.
Porém, o governo de Chávez também ampliou as divisões sociais. Sua morte certamente trará mais mudanças e muitas incertezas, à medida que o país tenta encontrar uma maneira de se tornar independente de sua figura centralizadora.
Com a morte do presidente, a constituição afirma que "devem ser realizadas novas eleições" em 30 dias, e que o vice-presidente deve assumir o poder enquanto isso. A eleição provavelmente será disputada entre Maduro, designado por Chávez como seu sucessor político, e Henrique Capriles Radonski, um jovem governador que concorreu contra Chávez nas eleições de outubro.
Contudo, em vista da doença de Chávez, houve uma série de debates acalorados nos últimos meses em relação à forma de interpretar a constituição e é impossível prever como a transição pós-Chávez irá ocorrer.
Os apoiadores de Chávez encheram as ruas, onde demonstram visivelmente seu luto.
Chávez recebeu o diagnóstico de câncer em junho de 2011, mas, ao longo do tratamento, manteve muitos detalhes da doença em segredo, recusando-se a dizer o tipo de câncer que tinha e qual a parte do corpo afetada.
Ele sofreu três operações entre junho de 2011 e fevereiro de 2012, além de tratamentos de quimioterapia e radioterapia, mas o câncer sempre voltava. As cirurgias e a maior parte dos tratamentos foram realizadas em Cuba.
Então, no dia 8 de dezembro, apenas dois meses após vencer a reeleição, Chávez chocou a nação com o anúncio de que precisaria de mais uma cirurgia.
A quarta operação ocorreu no dia 11 de dezembro, em Havana. Em seguida, assessores afirmaram com ar sombrio que o procedimento havia sido complexo e que o estado do presidente era delicado. Aos poucos, informaram o país a respeito de complicações: primeiro um sangramento e depois uma grave infecção pulmonar que dificultava a respiração.
Após as primeiras operações, Chávez aparecia com frequência na televisão, durante sua recuperação em Havana, postando mensagens no Twitter ou fazendo telefonemas para programas de televisão do canal estatal. Mas após a cirurgia de dezembro, ele não foi mais visto em público e sua voz se calou.
Os assessores de Chávez anunciaram que o presidente respirava com ajuda de aparelhos e que, por essa razão, enfrentava dificuldades para falar. Esse foi o maior paradoxo para um homem que nunca teve medo de dizer o que pensava e que frequentemente improvisava por horas na TV, discursando, cantando, dando palestras ou recitando poesia.
Conforme passavam as semanas, aumentavam as tensões na Venezuela e a situação ficava cada vez mais bizarra. Autoridades do governo se esforçavam para passar a imagem de que tudo seguia normalmente, fugindo do inevitável questionamento sobre o vácuo deixado por Chávez. Ao mesmo tempo, o país enfrentava uma economia desequilibrada, afligida pela inflação e pela falta de produtos básicos.
A oposição continua fazendo pressão, embora esteja enfraquecida após as derrotas na eleição presidencial, em outubro, e para governador, em dezembro, na qual seus candidatos perderam em 20 dos 23 estados.
No dia 18 de fevereiro, as autoridades informaram repentinamente que Chávez havia retornado a Caracas. Ele chegou discretamente durante a madrugada e foi instalado em um hospital militar, onde os assessores afirmaram que o tratamento continuaria.
Durante quase uma década e meia, Chávez construiu um movimento político e um governo centrado em sua personalidade carismática.
Foi ele quem tomou a maior parte das decisões e dominou todos os aspectos da vida pública do país, inspirando uma devoção quase religiosa entre seus apoiadores e ânimos igualmente exaltados entre seus oponentes. Conforme dizem muitos de seus seguidores: "Com Chávez, tudo; sem Chávez, nada".
Mas, sem seu carismático líder, isso acaba deixando sua revolução em uma situação precária.
- Em regimes tão personalistas, toda a base se enfraquece no momento em que a pessoa na qual todo o sistema se baseia sai de cena, uma vez que não há mais nada para suportá-lo além da própria figura do líder - afirmou Javier Corrales, professor de ciências políticas do Amherst College.
A morte de Chávez pode fornecer uma oportunidade para a oposição, que nunca foi capaz de derrotá-lo em um confronto direto.
Capriles perdeu por 11 pontos percentuais para Chávez em outubro, mas já venceu dois importantes apoiadores de Chávez em eleições para o governo do estado de Miranda, que inclui parte de Caracas.
E Maduro está longe de ter a conexão visceral com as massas empobrecidas da Venezuela. Ainda assim, muitos analistas acreditam que Maduro sairá em vantagem e receberá apoio do público no caso de uma eleição realizada logo após a morte do presidente.
Mesmo que Maduro vença, ele pode enfrentar problemas junto ao movimento chavista ao ampliar os objetivos socialistas e afastar a resistência de uma oposição com força renovada.
O novo mandato de seis anos de Chávez começou no dia 10 de janeiro, com o presidente isolado em Havana. Durante sua ausência, o governo realizou um enorme comício no centro de Caracas, onde milhares de seguidores ergueram as mãos para jurar "lealdade absoluta" ao comandante e à revolução. Autoridades prometeram que a festa da posse seria realizada mais tarde, quando ele já estivesse recuperado.
Mas a recuperação nunca se tornou realidade e ao invés de uma festa de posse, os seguidores de Chávez terão de planejar um funeral.
The New York Times
Movimento iniciado por Hugo Chávez tem futuro incerto na Venezuela
Morte do presidente venezuelano lança dúvidas sobre o futuro da revolução socialista que ele liderou
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